segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Obama e Teodósio I

Durante anos, o império domina a colônia. Mas chega um momento em que os dois se misturam de tal forma que ninguém sabe mais onde termina o império e onde começa a colônia. Com todas as suas raízes que remetem às colônias, Obama é tão legitimamente norte-americano quanto era John McCain

Em julho do ano passado, eu e Giselle, minha mulher, viajávamos de carro pela Espanha, pelos territórios de León y Castilla. Saíamos de León rumo a Madrid. Sabíamos que no meio do caminho havia um castelo de pedra, considerado um dos mais belos da Espanha, que valia a pena visitar. Ficava numa cidade minúscula, apenas duas ou três ruas, chamada Coca. Assim, nos aventuramos por estradas vicinais para almoçar ali uma deliciosa perdiz ensopada e visitar o tal castelo. Ao entrar na cidade, após passar por uma muralha de pedra de 800 anos, deparamos com um modesto busto de bronze, meio cagado de pombos, como costuma acontecer com os bustos de bronze. Retratava o imperador romano Teodósio I. Nascera ali, em plena Ibéria, e não em Roma, o último líder de um império romano unido. Depois dele, nunca mais o império, até ruir completamente, foi governado por um único homem. Teodósio tornou-se imperador romano único no ano de 392. Em 410, os godos saquearam Roma.
Foi com Teodósio I que o catolicismo ascendeu e o império romano tornou-se um Estado cristão. Os rituais pagãos foram apagados de vez e começou-se a perseguição aos judeus. Ao mesmo tempo, Teodósio estabelecia um tratado de paz com os bárbaros godos, que permitia a eles preservarem a sua independência política dentro do império em troca da obrigação de fornecer tropas ao exército. Esse tratado seria uma das causas do enfraquecimento militar romano, o que facilitou o saque de Roma em 410.
Estou longe de ser um especialista em Teodósio I. O que escrevi acima vai um pouco do que aprendi naquele dia em Coca, somado à providencial ajuda da Wikipédia. Os historiadores e os mais cultos me perdoem as imprecisões. O que importa é que quando vi o negro Barak Obama eleito presidente dos Estados Unidos, lembrei-me imediatamente de Teodósio I e daquele passeio de carro pelo interior da Espanha. Não por qualquer semelhança de estilo ou de temperamento. Mas por uma semelhança na situação.
Durante anos, os impérios se impõem às suas colônias. Submetem a elas a sua cultura, a sua religião, seus modos e costumes. Crescem, ampliam-se. Nesse jogo, a cultura, a religião, os modos e os costumes das colônias buscam resistir. O que parece acontecer é que, nesse entrechoque, chegue o momento em que império e colônias se misturem de tal forma que já não se saiba exatamente onde um termina e as outras começam. É aí que, talvez, a colônia suplante o império.
Barak Obama é filho de um negro do Quênia com uma branca americana. Foi criado por um havaiano. Tem sobrenome muçulmano. E, apesar disso, é tão legitimamente norte-americano quanto era seu adversário, John McCain, filho de uma linhagem de branquíssimos heróis de guerra.
Os Estados Unidos de hoje são uma nação multirracial e multicultural. Não são raras as cidades onde se fala mais espanhol que inglês. Não que se deva esperar grandes rupturas por parte de Obama. Elas provavelmente não ocorrerão. Por outro lado, também parece impossível que Obama ignore as suas origens e, baseado nelas, entenda com mais clareza o quanto mudou o país que governará. E por que há outras partes do mundo que resistem e odeiam tanto o poderio do império do qual ele agora se tornará imperador. Ao ver Obama, não consigo parar de pensar naquele busto de Teodósio I na pequenina cidade de Coca.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Cautela e caldo de galinha ...

É inegável que o cenário projetado a partir da eleição municipal deixa hoje José Serra na condição de favorito para 2010. Mas daí a já colocá-lo sentado atrás da mesa do principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto vai uma distância imensa

Já há apressados no mundo da análise política colocando o governador de São Paulo, José Serra, sentado em 2010 na cadeira que fica atrás da mesa do gabinete principal do Palácio do Planalto. A esses apressados, este blog recomenda um pouco de calma. Lembra que, no final do ano passado, na convenção nacional do PSDB que elegeu o senador Sérgio Guerra o presidente do partido, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, dera um banho em Serra. Na ocasião, entrou com claque no meio do discurso de Serra, interrompendo-o. Depois, a mesma claque interrompeu o discurso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Depois que Aécio rasgou a fantasia e explicitou seus planos naquela convenção, por muitas vezes imaginou-se que era ele quem começava a ficar por cima da carne seca.

Se não bastar, este blog lembra também que, no início da campanha em São Paulo, muita gente apostava que Gilberto Kassab, que tinha então uns 10% de intenção de voto nas pesquisas, não iria até o fim. Mesmo mais perto do final, apostava-se ainda que a disputa entre Kassab e Alckmin seria apertadíssima, o que geraria um tremendo racha no PSDB de São Paulo com conseqüências irreversíveis, sendo que a maior delas seria uma provável vitória de Marta Suplicy. Enquanto isso, em Belo Horizonte, o candidato de Aécio e do prefeito petista Fernando Pimentel, Márcio Lacerda, depois de uma patinada no início, disparava na frente. Fácil seria naquele momento apostar no fim da aliança oposicionista entre o PSDB e o DEM e no início da tese de Aécio do pós-Lula, a partir de um entendimento tucano-petista. Agora, o DEM agarra-se a Kassab como bóia de salvação para sacramentar a continuação da aliança oposicionista com o PSDB, Serra surfa com a vitória da sua tese, e Aécio amarga as conseqüências da sua aposta furada em Márcio Lacerda.

Até quando? Até a próxima mexida das nuvens. Era o ex-governador mineiro Magalhães Pinto que dizia que “política é igual nuvem; você olha, está de um jeito, olha de novo já está de um jeito diferente”. É claro que as eleições municipais deste ano projetam para 2010 um cenário favorável a José Serra. Ele é hoje líder nas pesquisas. Sua tese venceu no principal colégio eleitoral do país. No cenário político brasileiro, apesar de toda a popularidade de Lula, o PT continua com os mesmos problemas no Sul e no Sudeste que puderam levar o picolé de chuchu Geraldo Alckmin ao segundo turno em 2006. Na próxima eleição, o candidato da oposição tem bem maior consistência política que Alckmin. E o governo aposta num nome nunca testado nas urnas, com fama de durona e antipática, a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Como porém, a eleição presidencial não é amanhã ...

Já se detecta um primeiro sinal de mexida de nuvem. Embora ela possa reforçar ainda mais a posição de Serra, é só um exemplo de como o quadro político nunca é estanque. A imensa força com a qual o PMDB saiu dessas urnas municipais coloca o PT completamente à mercê do velho partido dos caciques regionais. E o PT está apavorado com isso. Não apenas porque sabe que os peemedebistas, como sempre fazem, vão cobrar cara a fatura. Mas porque temem que o PMDB, como também gosta de fazer, volte a praticar seu esporte preferido de navegar com um pé em cada canoa. Em São Paulo, o PMDB optou pela candidatura de Kassab. Pode vir a fechar um acordo em 2010 com a chapa oposicionista para reservar uma vaga de senador para Orestes Quércia. Se fizer assim, vai caminhar em São Paulo no sentido oposto do propalado projeto nacional peemedebista de se associar à candidatura presidencial do governo. Primeiro passo para que, como aconteceu na eleição passada e em outras, o PMDB não consiga estar oficialmente em chapa nenhuma. Para poder de alguma forma estar em todas.

Se não tiver oficialmente o apoio peemedebista, o PT vai ter de procurar outros parceiros oficiais. A situação pode ressuscitar atores políticos que não se saíram tão bem nas eleições municipais. Não custa lembrar que o deputado Ciro Gomes é o nome da base governista que sempre aparece melhor nas pesquisas. Seu problema é que, diante do PMDB, seu fraquinho PSB não tem a menor chance de reivindicar nada ... Mas se o PMDB ficar de fora ... Ciro até pode vir a lembrar que é nome já testado e melhor colocado nas pesquisas, diante da aposta incerta em Dilma. Ou o PSB pode vir a compor com um vice de menor visibilidade e maior confiabilidade, como o governador de Pernambuco Eduardo Campos.

Aécio Neves também provavelmente não estará morto. Deve ter outras cartas na manga. Mesmo Alckmin, que pode ir para o PSB e reforçar o partido de Ciro num Estado em que ele não é forte. Em dois anos, ainda vai ventar um bocado para mexer com as nuvens no céu.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O Vespeiro

Conduzida por alguém que se julgou encarregado de uma missão divina de consertar o mundo, a Operação Satiagraha errou, precipitou-se e cometeu abusos. Mas é verdade também que ninguém nunca enfiara o dedo tão perto do centro do vespeiro. Agora, abusos à parte, as vespas voaram e estão dando as suas ferroadas

Primeiro, o que há de absolutamente condenável nessa história. É de uma imensa gravidade que o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, tenha sido alvo de um grampo ilegal, esteja no centro de uma investigação feita sem autorização e sem que se saiba o propósito. Que da mesma forma tenham sido grampeados o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, e a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Igualmente grave que se saiba ao mesmo tempo que a Polícia Federal evitou grampear um secretário nacional da direção do PT, Romênio Pereira, alegando razões técnicas. A explicação de que não se poderia grampear um ramal porque se escutaria as conversas das demais pessoas que usam troncos do mesmo PABX não vale para os telefones do STF e do Palácio do Planalto? O que parece mais provável nessa história toda? Alguém teve receio de grampear o PT (não Romênio, mas o partido), pelas implicações políticas que poderiam vir do gesto. Mas, na mesma instituição (ou em instituições que trabalhavam em conjunto, se o grampo foi feito pela Abin), alguém não viu nada de errado em se bisbilhotar a vida do presidente do STF.

É um sinal claro de que os instrumentos de investigação de que dispõe o país estão fora de controle. Que os agentes e delegados atuam de acordo com as suas convicções e interesses pessoais. Não pode haver nada de institucional ou orientado na decisão de se preservar Romênio – um personagem menor na hierarquia política do país – e se centrar fogo em Gilmar Mendes. Nem mesmo imaginar uma orientação político-partidária é possível se os arapongas acompanham as vidas de Gilberto Carvalho ou do ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Se chegaram até a monitorar um dos irmãos do presidente Lula em determinado momento. E, na verdade, não há nada de orientado ou institucional há um bom tempo. O presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a ser grampeado naquele episódio do embaixador Júlio César Gomes dos Santos, na época chefe do cerimonial da Presidência.

Isso tudo está posto aí acima para que não se diga que este blog compactua com essa anarquia policial (anarquia, porque não se pode falar de Estado policial se isso tudo parece acontecer sem muito controle de quem quer que seja). Porque, na verdade, há outro aspecto nisso tudo que me impressiona particularmente. Terminada a Operação Satiagraha, o país assistiu à prisão de um poderoso banqueiro, um dos mais polêmicos personagens surgidos no mundo da economia e da política brasileiras depois da redemocratização. Na mesma semana, um outro banqueiro que se encontrava fugido na Europa deu entrada numa prisão brasileira. Prendeu-se ainda um ex-prefeito de São Paulo e houve ações de busca e apreensão nos escritórios de um empresário de sucesso que ascendera à condição de homem mais rico do país. Do primeiro banqueiro, Daniel Dantas, sabe-se da imensa rede de relações que ele foi construindo ao longo da vida: políticos de vários partidos, advogados de renome, gente no Poder Judiciário.

A Operação Satiagraha foi recheada de equívocos e precipitações. Aparentemente, foi conduzida por alguém que se julgou encarregado de uma missão divina de consertar o mundo com as suas ações. E que, assim, acabou mesmo deixando de lado maiores preocupações com os meios desde que conseguisse atingir seus fins. Mas a verdade também é que nunca antes havia se enfiado o dedo tão próximo do centro do vespeiro. Dos papéis da operação, emanam suspeitas que atingem poderosos em todos os três Poderes. Os abusos cometidos são inaceitáveis. Mas com a licença de deixá-los à parte apenas por um momento, a verdade é que as vespas, incomodadas, voaram e estão dando as suas ferroadas.

A Operação Satiagraha tem uma segunda fase. Crimes financeiros estão sendo investigados. Se crimes aconteceram – e há indícios de que aconteceram –, os responsáveis precisam vir a ser punidos. Se o episódio do grampo no telefone de Gilmar Mendes servir para que se estabeleçam mecanismos de controle sobre a atividade policial e para evitar que ela se oriente por interesses velados e particulares, será ótimo. Mas se servir para tolher a embaraçar as investigações, numa ação conduzida por uma “certa elite” que, nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, “monopoliza a agenda do Supremo”, a anarquia acabará substituída pelo retrocesso.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

A tucana

Dona Ruth, a intelectual que detestava ser chamada de primeira-dama, podia preservar, na sua pureza de academia, os princípios que nortearam a criação do PSDB e que Fernando Henrique, pressionado pela necessidade de governar com a falta de consistência da geléia político-partidária brasileira, abandonava

Fernando Henrique Cardoso nem tinha tomado posse. Montava o seu gabinete quando sua mulher, Ruth, disparou contra o parceiro político do PSDB naquele governo que se iniciava. O PFL, disse ela, era Antônio Carlos Magalhães, mas era também Gustavo Krause e Reinhold Stephanes. Ali, Ruth Cardoso limitava o terreno até onde aceitava que fossem as concessões às suas convicções e à sua ideologia. Nada de ACM, fiquemos com Krause e Stephanes. Iniciado o governo, um pouco depois, manifestações desse tipo de Ruth provocaram uma outra sintomática reação do então ministro das Comunicações e espécie de Zé Dirceu daquele início de era Fernando Henrique, Sérgio Motta: ela tinha de parar com aquela “masturbação sociológica”. Realpolitik pura, como somente um petista do atual governo seria capaz de invocar.

Esse tardio comentário a respeito da morte de Ruth Cardoso pretende ir nessa linha. A antropóloga, a intelectual casada com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que detestava ser chamada de primeira-dama, podia preservar, na sua pureza de academia, os princípios que nortearam a fundação do PSDB. Princípios que Fernando Henrique, pressionado pela necessidade de governar com a falta de consistência da geléia político-partidária brasileira, abandonava. Dona Ruth não esquecia o que escrevera. É um reducionismo tolo dizer que os governos Fernando Henrique e Lula são a mesma coisa. Ainda que não seja transformadora, a política social de Lula vem produzindo uma sensível melhora na vida da população de baixa renda. O aumento da classe média e da capacidade de compra dos brasileiros são fatos. Pode-se questionar se vão se sustentar se houver um repique maior da inflação, mas são fatos. A postura internacional de Lula é também bem diferente da de Fernando Henrique, e voltada para outros parceiros. Mas, por outro lado, é inegável que tanto Lula como Fernando Henrique optaram pelo mesmo caminho de alianças fisiológicas de ocasião com os partidos e políticos de aluguel que pululam no Congresso. Em troca de cargos e benesses é que construíram as suas maiorias.

E pagaram um preço por isso. Se não precisassem dessa turma, se não tivessem que deixar ministérios e postos de poder à disposição deles, poderiam ter fechado os ralos por onde escoam o dinheiro público, poderiam ter adotado gestões mais eficientes, poderiam, dentro das suas escolhas, ter feito muito mais.

Ao limitar o campo de PFL que ela aceitava, Ruth Cardoso tentava sinalizar como imaginava que as alianças poderiam ter se dado no governo de Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, dentro do que é natural em qualquer democracia, aceitava que alianças fossem feitas. Desde que não descaracterizassem um programa e um perfil de governo. Podiam, assim, aproveitar o lado menos fisiológico, mais republicano e menos conservador do PFL. E tentar governar a partir de um ideário que encontrasse eco na sociedade e que, assim, não pudesse ser combatido. Pode ser que Dona Ruth só pensasse assim porque era uma intelectual, porque não tinha a real necessidade de pegar a mão na massa e tocar o país.

Acreditar nisso, convenhamos, é um bocado triste. Hoje, Lula e parte do PT parecem acreditar no mesmo. Deveriam, porém, ao refletir sobre a morte de Dona Ruth, observar o que aconteceu com o PSDB após deixar o poder. Descaracterizado das suas convicções e objetivos iniciais, o partido dos tucanos vaga por aí tentando fazer oposição. É um caldeirão de ódios com táticas personalistas diferentes e sem praticamente nenhum objetivo comum. Que hoje, talvez, nem saiba muito bem por que um dia separou-se do PMDB. Disputa o poder, e só. Livrou-se de vez da masturbação ideológica. E não ganhou nada com isso.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Correçaozinha

Corrigindo o finalzinho do artigo anterior: Dilma pode acabar tendo o mesmo destino do seu antecessor, e não "sucessor", como está lá.

Temporada de caça

Uma breve enumeração dos adversários internos de Dilma no PT e na base pode ajudar a entender por que, desde que se tornou a aposta eleitoral de Lula, ela não sai da berlinda

Desde que foi escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como aposta preferencial à sua sucessão em 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, não teve um dia sequer de sossego. A denúncia sobre o favorecimento ao grupo Mattlin Patterson na venda da Varig aconteceu na véspera do sepultamento da CPI dos Cartões Corporativos. Ou seja, mal Dilma acabou de se livrar de um abacaxi, começou a descascar outro, talvez ainda mais duro e azedo que o primeiro. Embora ela mesma viva falando de “fogo inimigo”, a própria Dilma sabe: as denúncias estão saindo do seu lado da bancada, de gente bem próxima dela. E Dilma sabe ainda que cada história dessas que a desgasta provoca urros de satisfação em alguns setores petistas.

A história da Varig esconde interesses comerciais. E eles podem estar na origem da denúncia de Denise Abreu. Não custa lembrar sempre que Denise era acusada de beneficiar a TAM na Anac. E a TAM tinha interesse na Varig. Embora a motivação possa estar aí, é verdade também que Dilma coleciona adversários de peso no PT e na base governista. E que eles adoram vê-la desgastada. A intenção aqui é enumerar essas trombadas de Dilma no PT e na base. E avaliar até que ponto tais trombadas podem estar na origem da artilharia que se abate sobre ela.

O primeiro e principal adversário é o antecessor de Dilma na Casa Civil. José Dirceu nunca engoliu a forma como Dilma chegou à Casa Civil. Ele esperava a possibilidade de uma saída negociada, na qual ainda continuasse tendo algumas pontes que o mantivessem em contato com as principais estruturas de poder do governo. Sua expectativa era manter na secretaria-executiva da Casa Civil Swedenberger Barbosa como principal ponte. Tinha nesse projeto o apoio do chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho. Dilma atropelou os dois e trocou Swedenberger por Erenice Guerra, uma de suas assessoras de confiança antes no Ministério das Minas e Energia. Dirceu não perdoou a forma como se deu esse processo. Mais tarde, Gilberto Carvalho acabou levando Swedenberger para trabalhar com ele.

Dilma levou o primeiro choque quando descobriu que fora José Aparecido Nunes o vazador do dossiê com gastos do presidente Fernando Henrique Cardoso com cartões corporativos. Aparecido, o ex-secretário de controle interno, era o único remanescente do grupo de Dirceu na Casa Civil. A entrevista de Denise Abreu provocou o segundo choque. Antes de ser diretora da Anac, ela era nada menos que a assessora jurídica da Casa Civil na gestão José Dirceu. Pode ser mera coincidência, mas Dilma não deixou de considerá-la. Daí a insinuação que fez na entrevista sobre o PAC, ao dizer que estranhava a atitude de Denise Abreu, pelo fato de ela sempre ter sido bem tratada, justamente por ter pertencido ao quadro da Casa Civil na gestão anterior a ela.

Embora esteja hoje distante de Lula, Dirceu continua tendo pontos de influência importantes junto ao governo e ao PT. E, coincidentemente, hoje eles formam exatamente o grupo que mais resiste à candidatura de Dilma à Presidência da República. No governo, além de Gilberto Carvalho, Dirceu tem influência sobre o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, e sobre o assessor especial Marco Aurélio Garcia. Todos muito próximos de Lula. No processo que levou à eleição do deputado Ricardo Berzoini como presidente do PT, Dirceu fez um acordo tácito com o ministro da Justiça, Tarso Genro. Ajudou a costurar o acerto com a tendência de Tarso, Mensagem ao Partido, que levou o deputado José Eduardo Cardozo a assumir a secretaria-geral do PT, atropelando o deputado Jilmar Tatto. Dirceu continua tendo pelo menos uma reunião com Berzoini e os principais políticos do antigo Campo Majoritário a cada quinze dias para, junto com eles, traçar estratégias para o PT.

O gaúcho Tarso, que em muitos momentos não costuma primar pela discrição, soltou o petardo mais direto contra Dilma. Em entrevista ao jornal Zero Hora há três semanas, Tarso disse publicamente o que muitos petistas têm dito nos bastidores. “Ela não tem militância no partido”, afirmou, questionando, por esse motivo, a viabilidade da sua candidatura. Para o ministro da Justiça, Dilma teria que, primeiro, construir uma base interna para a sua candidatura. E essa sua capacidade de criar um vínculo com o PT é, na opinião de Tarso, “um enigma”. Dilma não escondeu sua irritação com Tarso que, depois da entrevista, saiu de férias. A ministra da Casa Civil pediu formalmente a Lula que, na volta de Tarso, estabeleça um encontro entre os dois para que ela possa colocar a questão em pratos limpos.

Se Dirceu fez com Tarso seu acordo tácito, Tarso, por sua vez, fez o mesmo com o ministro de Assuntos Sociais, Patrus Ananias. Como ambos trabalham com a possibilidade de serem os candidatos petistas na hipótese de um fracasso de Dilma, uniram-se primeiro nos bastidores para desgastar o adversário comum. Paralelamente, trabalha o grupo ligado à candidata à prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy. No caso, tanto o Campo Majoritário de Dirceu e Berzoini como o grupo de Marta tem base em São Paulo, que ficaria enfraquecida na hipótese da candidatura de Dilma, patrocinada diretamente por Lula. A turma de Marta espera que ela conquiste a prefeitura e que, a partir daí, volte a se credenciar na disputa interna pela sucessão de Lula.

Pesa ainda contra Dilma a torcida contra de outros partidos da base. A falta de traquejo político é uma das causas. “Nós todos sabemos que Dilma, pelas suas características e origens, não dará a menor pelota para as demandas políticas se virar presidente”, diz um deputado petista com trânsito no baixo clero. Outra causa importante é sua trombada com os caciques do PMDB pelos cargos principais do setor energético, a começar pela própria oposição que fazia à escolha do senador Edison Lobão para o Ministério das Minas e Energia, indicação do senador José Sarney (PMDB-AP). Finalmente, ao virar a aposta de Lula, Dilma naturalmente tornou-se o alvo prioritário da oposição. A exemplo de seu desafeto, José Dirceu, Dilma Rousseff na Casa Civil concentrou muitos poderes e colecionou muitos inimigos. Diante da mesma mistura, pode acabar tendo o mesmo fim de seu sucessor.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Atenção! Não sou agente de viagens


Durante um tempo, mantive um site com o endereço www.rudolfolago.com.br. De uns tempos para cá, parei de usar esse endereço e me alojei nesse blog. Não sei de que jeito, esse meu antigo endereço virou um site em inglês de viagens, aluguel de carros, etc. Vou tentar descobrir como isso se deu. Só quero deixar claro que rudolfolago.com.br não sou eu. Embora adore viajar, ainda continuo jornalista. Não ingressei no ramo do turismo.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Lula e Chacrinha

Como fazia o Velho Guerreiro, Lula entrou no jogo da sua sucessão para confundir, não para explicar

A figura grotesca, com suas inacreditáveis fantasias, atirando bacalhau para a platéia, dava um nó na intelectualidade brasileira. Ao mesmo tempo que conquistava o público mais popular, com os artistas do campo brega que apresentava e concursos inusitados como o que elegia a “empregada doméstica mais bonita do Brasil”, Chacrinha encantava os tropicalistas, com o jeito intuitivo como encarnava os personagens modernistas antropofágicos de Oswald e Mário de Andrade, que a turma de Caetano, Gil e companhia resgatava. A quem tentava entender ou buscar algum sentido no que fazia o Velho Guerreiro, Chacrinha repetia com um bordão simplesmente maravilhoso: “Eu vim para confundir, não para explicar”.

No jogo da sua sucessão em 2010, o presidente Lula parece fazer mais ou menos o que fazia o Velho Guerreiro. Lula veio para confundir, não para explicar. O presidente envia sinais trocados, dá declarações desencontradas. Ao mesmo tempo, estabelece para si um clima de eterno comício, estranho para quem, pelo menos em princípio, não será candidato a nada daqui a dois anos. O resultado final disso tudo é que Lula consegue, assim, tolher iniciativas, intimidar arroubos de independência e manter-se no centro de tudo. Embora esteja longe de dizer qual é a direção, é Lula quem conduz. Embora ainda não tenha começado a dar as ordens, é Lula quem comanda.

O caso da aliança entre o PT do prefeito Fernando Pimentel e o PSDB do governador Aécio Neves é emblemático desse jogo de sinais trocados do presidente. Fernando Pimentel participou a Lula o início das negociações. E parecem ter havido conversas também nesse sentido entre o presidente e o próprio Aécio Neves. De acordo mesmo com algumas pessoas próximas do presidente que pensam diferente no PT, Lula estimulou as conversações. Aí, na reunião da Executiva do partido, o assessor do presidente, Marco Aurélio Garcia, veta a aliança em Belo Horizonte, e indica que essa era também a posição de Lula sobre o assunto. No dia seguinte, Lula liga para Aécio e diz que a direção petista havia cometido uma besteira. Afinal, o que Lula quer? As pessoas próximas do presidente não parecem ter uma segunda explicação. Lula quer evitar que a evolução da aliança em Minas para um cenário nacional aconteça fora do seu controle, num processo comandado por Aécio, com Fernando Pimentel ao lado, à margem da participação do próprio presidente. O que Lula quer é que, aconteça o que acontecer, o acerto tenha o seu aval. E que Aécio não se fortaleça sozinho, como o artífice único da manobra política.

No caso de São Paulo, os aliados de Marta Suplicy reclamam de falta de empenho do presidente em apoiar a sua candidatura. Marta queria de Lula uma garantia de que voltaria ao ministério se perdesse as eleições, coisa que não conseguiu. Também acham que Lula poderia ter se movimentado para tentar abortar o apoio do PMDB, regido por Orestes Quércia, ao prefeito Gilberto Kassab, do DEM. Ao mesmo tempo, o presidente dos peemedebistas, Michel Temer, prepara levantamentos de alianças municipais para provar a Lula que, independentemente do que aconteceu em São Paulo, o partido continua fiel à base governista. No caso, novamente o que Lula parece querer evitar é que Marta cresça como opção eleitoral para a Presidência à sua revelia, ganhando a eleição em São Paulo, fortalecendo-se internamente e impondo-se como nome num processo em que não se veja obrigada a beijar a mão de Lula. O presidente quer a sua vitória, não a descarta como opção para 2010, mas não a quer forte o suficiente para construir tudo isso sozinha, apenas com seu grupo.

No entendimento de pessoas próximas a Lula, foi esse o raciocínio que o levou a bancar a pré-candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ao lançar Dilma, Lula tolheu as demais iniciativas petistas. Fez com que Marta, Patrus, Tarso Genro e companhia recolhessem as suas pretensões. Do leque de opções petistas para 2010, Dilma é a única que não tem qualquer experiência eleitoral. Sua candidatura não é pretensão dela, mas idéia de Lula. E a ela não resta alternativa senão aceitar ser conduzida nesse processo pela mão do presidente. Se der certo, terá sido Lula quem elegeu seu sucessor. Se ela não conseguir resistir ao bombardeio da crise dos cartões corporativos, será uma tentativa de Lula que não deu certo. Será descartada, e Lula partirá para outra alternativa.

O risco dessa história toda é que, ao final, Lula não tenha senão uma série de opções fracas, desorientadas e sem peso eleitoral. Bem, aí há o ás na manga do amigo de Lula, deputado Devanir Ribeiro. Se a história do terceiro mandato é mantida (e é mantida por ele, Devanir, não é pela oposição ou setores da imprensa), é porque faz parte dos sinais trocados emitidos por Lula. Das alternativas várias que ele mantém no cenário enquanto não toma a decisão sobre qual caminho seguir. Até que resolva esclarecer, o presidente faz como Chacrinha: confunde, não explica.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

São Paulo, meu amor

O festival de espertezas e rasteiras protagonizado pelo PSDB pode acabar com uma saraivada de tiros no pé. Donos das melhores opções eleitorais para 2010, os tucanos correm o risco de perder a eleição para eles mesmos

“São vinte milhões de habitantes

De todo canto em ação

Que se agridem cortesmente

Morrendo a todo vapor

E, amando com todo o ódio,

Se odeiam com todo o amor”

Pedida aqui a licença para atualizar o número de habitantes (quando foi composta, São Paulo tinha oito milhões de pessoas), é assim que começa a canção “São Paulo, meu amor”, com a qual Tom Zé venceu o último Festival da Canção da TV Record, em 1969. A imagem idealizada pelo compositor baiano para descrever aquela que já naquela época era a principal metrópole do país me veio à lembrança depois da atropelada que o governador José Serra deu em Geraldo Alckmin (e, por via de conseqüência, em Aécio Neves) esta semana. A idéia de gente que se agride de maneira cortês, ama com todo o ódio e odeia com todo o amor é perfeita para descrever o que acontece no PSDB paulista e na disputa entre os tucanos pela sucessão do presidente Lula em 2010. É um festival de espertezas e rasteiras tão intenso que pode acabar com uma saraivada de tiros no pé. Donos das melhores opções eleitorais na disputa, de acordo com as pesquisas, os tucanos podem acabar perdendo no final. E perdendo para eles mesmos, já que o bloco governista, especialmente o PT, ainda não foi capaz de apresentar um adversário à altura, levando-se em conta as atuais intenções de voto do eleitorado.

Vai se repetir aí um quadro que o partido já assistiu antes, em 2002 e em 2006. Em 2002, na disputa interna pela vaga de candidato à Presidência, Serra atropelou o senador Tasso Jereissati de forma tão violenta que, ao final, Tasso desembarcou na campanha de Ciro Gomes, que era candidato pelo PPS. Ainda que seja verdade que Tasso tinha grandes afinidades anteriores com Ciro, se não tivesse havido a atropelada ele não teria tido argumentos para abandonar Serra tão ostensivamente. Ao mesmo tempo, para garantir hegemonia na base ligada ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, Serra contribuiu para a derrocada da candidatura de Roseana Sarney, pelo PFL. Até hoje, nem Roseana nem seu pai, o senador José Sarney, têm dúvidas de que Serra esteve por trás da operação da Polícia Federal que invadiu a empresa Lunus e flagrou dinheiro de caixa 2 para a campanha de Roseana, obrigando-a a renunciar quando era uma das líderes nas pesquisas. Então, presidente do PFL, Jorge Bornhausen também desconfiava de que vinha tendo seus telefones grampeados. Resultado: Roseana e Sarney apoiaram Lula, e Bornhausen manteve-se neutro. Serra perdeu a eleição para Lula.

Em 2006, já quem deu a atropelada foi Geraldo Alckmin. E, desta vez, a vítima foi Serra. De maneira surpreendente e precipitada, Alckmin aproveitou uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, para anunciar sua candidatura. Pegou Serra no contra-pé e conseguiu desestruturar qualquer reação. Serra julgava que, por ter sido o adversário de Lula em 2002 e aparecer melhor nas pesquisas, tinha a primazia. Alckmin vendeu a idéia de que tinha melhor capacidade de composição com o PFL e, trabalhando melhor as costuras internas nos demais Estados, passou como um trator por Serra. Resultado: a turma de Serra não se esforçou como deveria em favor de Alckmin. Alckmin perdeu a eleição para Lula.

Agora, na disputa pela prefeitura de São Paulo, Alckmin, estimulado por Aécio Neves, buscou repetir a mesma estratégia que fizera para emplacar sua candidatura à Presidência. Precipitou o anúncio da sua candidatura para torná-la fato consumado, e tentar emparedar Serra. Contando agora com números favoráveis nas pesquisas, Alckmin achava que forçaria Serra a desistir do plano com o qual se comprometera quando deixou a prefeitura de São Paulo para disputar o governo. Ali, Serra entregou a prefeitura a Gilberto Kassab, alavancando o ex-PFL, hoje DEM, a uma condição política que nunca antes tinha alcançado em São Paulo. No plano, Serra apoiaria a reeleição de Kassab, contando com o apoio do DEM para a sua candidatura a presidente em 2010. Ao se lançar candidato a prefeito, Alckmin dinamitava essas pretensões. E fazia o jogo de Aécio que, ao pregar a possibilidade de construção de uma aliança de centro-esquerda, podendo envolver até o PT, quer afastar os tucanos dos democratas. Em silêncio, Serra demoliu esta semana o jogo de Alckmin e complicou a vida de Aécio.

Ao fechar em torno de Kassab uma aliança que inclui também o PMDB de Orestes Quércia, Serra praticamente inviabiliza a candidatura de Alckmin. Sozinho, com apenas parte do PSDB, fica impossível para ele prosseguir. E Kassab ganha uma estrutura poderosa para sustentar sua candidatura. Com um porém: quando for forçado a capitular, Alckmin se colocará e colocará a sua tropa com entusiasmo a serviço da candidatura de Kassab? Ou repetirá as divisões internas que levaram o PSDB ao fracasso nas duas últimas disputas presidenciais? Antes da desistência de Alckmin, a briga tucano-democrata já levou a candidata do PT, a ministra do Turismo, Marta Suplicy, a se tornar a líder nas pesquisas eleitorais.

Finalmente, projetando o episódio para o desenrolar da disputa pela sucessão em 2010, ao superar Aécio atropelando também Alckmin, Serra conseguirá a unidade interna necessária para enfrentar o candidato de um governo popular como é o de Lula? A mesma pergunta vale para Aécio, que ainda poderá ter tempo para responder mais adiante às atuais jogadas de Serra e recuperar terreno. Paulista na sua origem, o tucanato segue como na letra de Tom Zé. Até onde o levará a agressão cortês e a mistura de ódio e amor?

sexta-feira, 28 de março de 2008

Pequena correção

Gente,
Eu tinha escrito o comentário anterior no início da semana, e, por falta de tempo, acabei não postando ele antes. Assim, saiu que a reunião do PT foi "ontem". Corrigindo: foi no início da semana, na segunda-feira. Abraços

O xadrez de Aécio

O que impressiona no jogo de Aécio é a sua sofisticação e complexidade. Ele move diversas peças ao mesmo tempo. Tem Plano A, Plano B, plano C ...

É clássica a história de Garrincha com o técnico da Seleção Brasileira, Vicente Feola. Como minha especialidade não é exatamente o futebol, posso errar o momento, o jogo e o adversário. Mas parece que foi antes do jogo contra a União Soviética, na Copa de 58. O fato é que Feola fazia uma longa e complicadíssima preleção sobre como o time deveria fazer para parar o adversário, para avançar sobre sua defesa, para chegar ao gol e vencer a partida. Ao final, Garrinha, com sua costumeira singeleza, soltou a pergunta óbvia: “Tudo muito bonito, seu Feola. Mas o senhor já combinou isso tudo aí com o adversário”?

A famosa frase de Garrincha vem à lembrança após a decisão tomada ontem pela Executiva Nacional do PT. A priori, não há veto algum a que o partido faça uma aliança local com seus adversários no plano nacional, notadamente PSDB e DEM. Mas as associações terão de ter o aval da direção nacional. E onde o PT sentir que a aliança esconde por trás algum movimento que interfira nos planos do partido para a sucessão do presidente Lula em 2010, a união pode ser vetada. É uma decisão que vale para todo mundo, mas que foi tomada tendo em vista um único destino certo: Belo Horizonte e a aliança com o PSDB do governador Aécio Neves para eleger seu secretário Márcio Lacerda, do PSB. Aprovada a aliança, Aécio moverá a sua primeira peça importante no xadrez que montou para tentar chegar a presidente da República em 2010. O problema de Aécio é que o PT também percebeu o seu jogo. E pode reagir a ele. É a história de Garrincha.

Não que tudo o que Aécio idealizou tenha ido por terra com essa simples decisão tomada pela Executiva do PT. O que há de impressionante para quem gosta de política no xadrez montado por Aécio é a sua sofisticação e complexidade. Aécio move ao mesmo tempo uma diversidade de peças. Estabelece pontos de contatos numa série de partidos. Tem plano A, plano B, plano C, plano D ... Do modo como joga, fará com que, qualquer que seja o resultado final de seus movimentos, a eleição de 2010 passe necessariamente por ele.

Há formas diversas de se jogar o jogo da política. Há políticos, como Lula, que preferem o contato direto com o povo. São mestres no corpo-a-corpo. Imbatíveis no efeito que provocam ao falar à população. Seus palcos são os comícios, as assembléias, as inaugurações ao ar livre. Há outros que buscam trabalhar na linha racional do que propõem para as suas administrações, para o amadurecimento das idéias e propostas que passaram a vida estudando. José Serra pode ser enquadrado aí. Há os que apostam na ousadia e na surpresa que permita grandes realizações que deixem a sua marca para sempre, como Juscelino Kubitschek e Brasília. E há aqueles que são especialistas no jogo da política pequena, dos acertos entre engravatados, nas salas refrigeradas dos palácios e sedes dos partidos políticos. Na capacidade de composição, de conciliação de interesses, na formação dos conchavos e alianças. Ninguém no Brasil foi melhor nisso que Tancredo Neves. E ninguém hoje é melhor discípulo de Tancredo que seu neto Aécio Neves.

O jogo ideal de Aécio passeia por uma constatação que é hoje consenso no meio político. A polarização PT X PSDB tornou-se um problema político sério pelas suas características. Não se trata de uma polarização ideológica. Os dois partidos não têm grandes diferenças quanto à forma como pensam a tarefa de administrar o país. Como não há praticamente debate algum nesse aspecto, a disputa partiu para um complicado campo moral. Um campo onde nenhum dos dois partidos consegue mais apresentar-se como vestal pura, numa linha do “eu faço, mas fulano fazia mais feio do que eu”. Onde cada uma das duas matronas, já com a pureza completamente perdida, empenha-se em desnudar a outra, a explicitar suas vergonhas. E fica o país assistindo a esse constrangedor show de pornografia política, cada vez mais descrente nos políticos e nas suas instituições. Aécio apresenta-se como alguém capaz de superar essa polarização. Prega que ela só existe na raiz paulista da fundação dos dois partidos. É em São Paulo que PT e PSDB não conseguem coabitar. Esse problema não existe em Minas nem nos outros Estados. Belo Horizonte seria o embrião de uma nova etapa que poderia desaguar em 2010 numa coalização de centro-esquerda, com Aécio à frente. O PSDB se aliaria ao PT, aos seus aliados tradicionais de esquerda (PSB e PCdoB) e ao PMDB. Como há um campo ideológico em comum no qual esses partidos podem transitar, Aécio acredita que poderia dispensar a ajuda dos partidos fisiológicos de ocasião, tipo PTB e PR, e fugir do toma-lá-dá-cá. Como nesse campo não cabe o DEM – ele tem pontos de contato à direita com o PSDB e o PMDB, mas não tem identificação alguma com os partidos de esquerda –, é assim que vai se esfarelando a aliança entre os dois partidos de oposição. O DEM não cabe no jogo de Aécio, e Aécio estimula o afastamento entre o DEM e o PSDB.

Resumido acima, eis aí o Plano A de Aécio. Como demonstrou o PT na reunião da Executiva, ele dar certo não depende apenas de Aécio. Mas como ele implica ações de contato com vários partidos e agentes políticos, é assim que Aécio vai se tornando uma referência fundamental para a eleição de 2010, mesmo que, ao final, ele não consiga tornar-se candidato. Primeiro, obviamente, passará por ele a decisão de quem será candidato pelo PSDB. E, então, passará por ele a posição que será tomada pelo DEM: com Serra, os democratas serão aliados, com ele, não. Se Aécio deixar o PSDB e for para o PMDB, o que parece ser seu Plano B, a peça peemedebista se moverá de um jeito. Se ele não for, vai se mover de outro. Se for concretizada a aliança com o PT em Belo Horizonte para eleger um candidato do PSB, ficará estabelecido um compromisso com os socialistas. Que irá determinar que movimento fará o deputado Ciro Gomes. Vice de Aécio? Segunda opção da base governista como candidato à Presidência? E, finalmente, chega-se ao próprio PT. O partido tem a força do governo Lula a seu favor, mas nenhum candidato forte no páreo. A primeira a ser testada, Dilma Rousseff, patina. A mãe do PAC não conseguiu empolgar sequer a sua base eleitoral no Rio Grande do Sul – perdeu na disputa local que estabeleceu a deputada Maria do Rosário como candidata a prefeito de Porto Alegre. Não sendo Dilma, quem parece ter condições de entrar na disputa? Essa falta de candidatos pode empolgar Lula a encampar o discurso de Aécio do início de uma nova etapa política que supere a polarização PT X PSDB? Isso vai depender do cálculo que Lula fará quanto ao melhor cenário para levá-lo de volta ao poder em 2014. Mas aí já é assunto para um outro comentário.