sexta-feira, 25 de abril de 2008

São Paulo, meu amor

O festival de espertezas e rasteiras protagonizado pelo PSDB pode acabar com uma saraivada de tiros no pé. Donos das melhores opções eleitorais para 2010, os tucanos correm o risco de perder a eleição para eles mesmos

“São vinte milhões de habitantes

De todo canto em ação

Que se agridem cortesmente

Morrendo a todo vapor

E, amando com todo o ódio,

Se odeiam com todo o amor”

Pedida aqui a licença para atualizar o número de habitantes (quando foi composta, São Paulo tinha oito milhões de pessoas), é assim que começa a canção “São Paulo, meu amor”, com a qual Tom Zé venceu o último Festival da Canção da TV Record, em 1969. A imagem idealizada pelo compositor baiano para descrever aquela que já naquela época era a principal metrópole do país me veio à lembrança depois da atropelada que o governador José Serra deu em Geraldo Alckmin (e, por via de conseqüência, em Aécio Neves) esta semana. A idéia de gente que se agride de maneira cortês, ama com todo o ódio e odeia com todo o amor é perfeita para descrever o que acontece no PSDB paulista e na disputa entre os tucanos pela sucessão do presidente Lula em 2010. É um festival de espertezas e rasteiras tão intenso que pode acabar com uma saraivada de tiros no pé. Donos das melhores opções eleitorais na disputa, de acordo com as pesquisas, os tucanos podem acabar perdendo no final. E perdendo para eles mesmos, já que o bloco governista, especialmente o PT, ainda não foi capaz de apresentar um adversário à altura, levando-se em conta as atuais intenções de voto do eleitorado.

Vai se repetir aí um quadro que o partido já assistiu antes, em 2002 e em 2006. Em 2002, na disputa interna pela vaga de candidato à Presidência, Serra atropelou o senador Tasso Jereissati de forma tão violenta que, ao final, Tasso desembarcou na campanha de Ciro Gomes, que era candidato pelo PPS. Ainda que seja verdade que Tasso tinha grandes afinidades anteriores com Ciro, se não tivesse havido a atropelada ele não teria tido argumentos para abandonar Serra tão ostensivamente. Ao mesmo tempo, para garantir hegemonia na base ligada ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, Serra contribuiu para a derrocada da candidatura de Roseana Sarney, pelo PFL. Até hoje, nem Roseana nem seu pai, o senador José Sarney, têm dúvidas de que Serra esteve por trás da operação da Polícia Federal que invadiu a empresa Lunus e flagrou dinheiro de caixa 2 para a campanha de Roseana, obrigando-a a renunciar quando era uma das líderes nas pesquisas. Então, presidente do PFL, Jorge Bornhausen também desconfiava de que vinha tendo seus telefones grampeados. Resultado: Roseana e Sarney apoiaram Lula, e Bornhausen manteve-se neutro. Serra perdeu a eleição para Lula.

Em 2006, já quem deu a atropelada foi Geraldo Alckmin. E, desta vez, a vítima foi Serra. De maneira surpreendente e precipitada, Alckmin aproveitou uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, para anunciar sua candidatura. Pegou Serra no contra-pé e conseguiu desestruturar qualquer reação. Serra julgava que, por ter sido o adversário de Lula em 2002 e aparecer melhor nas pesquisas, tinha a primazia. Alckmin vendeu a idéia de que tinha melhor capacidade de composição com o PFL e, trabalhando melhor as costuras internas nos demais Estados, passou como um trator por Serra. Resultado: a turma de Serra não se esforçou como deveria em favor de Alckmin. Alckmin perdeu a eleição para Lula.

Agora, na disputa pela prefeitura de São Paulo, Alckmin, estimulado por Aécio Neves, buscou repetir a mesma estratégia que fizera para emplacar sua candidatura à Presidência. Precipitou o anúncio da sua candidatura para torná-la fato consumado, e tentar emparedar Serra. Contando agora com números favoráveis nas pesquisas, Alckmin achava que forçaria Serra a desistir do plano com o qual se comprometera quando deixou a prefeitura de São Paulo para disputar o governo. Ali, Serra entregou a prefeitura a Gilberto Kassab, alavancando o ex-PFL, hoje DEM, a uma condição política que nunca antes tinha alcançado em São Paulo. No plano, Serra apoiaria a reeleição de Kassab, contando com o apoio do DEM para a sua candidatura a presidente em 2010. Ao se lançar candidato a prefeito, Alckmin dinamitava essas pretensões. E fazia o jogo de Aécio que, ao pregar a possibilidade de construção de uma aliança de centro-esquerda, podendo envolver até o PT, quer afastar os tucanos dos democratas. Em silêncio, Serra demoliu esta semana o jogo de Alckmin e complicou a vida de Aécio.

Ao fechar em torno de Kassab uma aliança que inclui também o PMDB de Orestes Quércia, Serra praticamente inviabiliza a candidatura de Alckmin. Sozinho, com apenas parte do PSDB, fica impossível para ele prosseguir. E Kassab ganha uma estrutura poderosa para sustentar sua candidatura. Com um porém: quando for forçado a capitular, Alckmin se colocará e colocará a sua tropa com entusiasmo a serviço da candidatura de Kassab? Ou repetirá as divisões internas que levaram o PSDB ao fracasso nas duas últimas disputas presidenciais? Antes da desistência de Alckmin, a briga tucano-democrata já levou a candidata do PT, a ministra do Turismo, Marta Suplicy, a se tornar a líder nas pesquisas eleitorais.

Finalmente, projetando o episódio para o desenrolar da disputa pela sucessão em 2010, ao superar Aécio atropelando também Alckmin, Serra conseguirá a unidade interna necessária para enfrentar o candidato de um governo popular como é o de Lula? A mesma pergunta vale para Aécio, que ainda poderá ter tempo para responder mais adiante às atuais jogadas de Serra e recuperar terreno. Paulista na sua origem, o tucanato segue como na letra de Tom Zé. Até onde o levará a agressão cortês e a mistura de ódio e amor?