segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Obama e Teodósio I

Durante anos, o império domina a colônia. Mas chega um momento em que os dois se misturam de tal forma que ninguém sabe mais onde termina o império e onde começa a colônia. Com todas as suas raízes que remetem às colônias, Obama é tão legitimamente norte-americano quanto era John McCain

Em julho do ano passado, eu e Giselle, minha mulher, viajávamos de carro pela Espanha, pelos territórios de León y Castilla. Saíamos de León rumo a Madrid. Sabíamos que no meio do caminho havia um castelo de pedra, considerado um dos mais belos da Espanha, que valia a pena visitar. Ficava numa cidade minúscula, apenas duas ou três ruas, chamada Coca. Assim, nos aventuramos por estradas vicinais para almoçar ali uma deliciosa perdiz ensopada e visitar o tal castelo. Ao entrar na cidade, após passar por uma muralha de pedra de 800 anos, deparamos com um modesto busto de bronze, meio cagado de pombos, como costuma acontecer com os bustos de bronze. Retratava o imperador romano Teodósio I. Nascera ali, em plena Ibéria, e não em Roma, o último líder de um império romano unido. Depois dele, nunca mais o império, até ruir completamente, foi governado por um único homem. Teodósio tornou-se imperador romano único no ano de 392. Em 410, os godos saquearam Roma.
Foi com Teodósio I que o catolicismo ascendeu e o império romano tornou-se um Estado cristão. Os rituais pagãos foram apagados de vez e começou-se a perseguição aos judeus. Ao mesmo tempo, Teodósio estabelecia um tratado de paz com os bárbaros godos, que permitia a eles preservarem a sua independência política dentro do império em troca da obrigação de fornecer tropas ao exército. Esse tratado seria uma das causas do enfraquecimento militar romano, o que facilitou o saque de Roma em 410.
Estou longe de ser um especialista em Teodósio I. O que escrevi acima vai um pouco do que aprendi naquele dia em Coca, somado à providencial ajuda da Wikipédia. Os historiadores e os mais cultos me perdoem as imprecisões. O que importa é que quando vi o negro Barak Obama eleito presidente dos Estados Unidos, lembrei-me imediatamente de Teodósio I e daquele passeio de carro pelo interior da Espanha. Não por qualquer semelhança de estilo ou de temperamento. Mas por uma semelhança na situação.
Durante anos, os impérios se impõem às suas colônias. Submetem a elas a sua cultura, a sua religião, seus modos e costumes. Crescem, ampliam-se. Nesse jogo, a cultura, a religião, os modos e os costumes das colônias buscam resistir. O que parece acontecer é que, nesse entrechoque, chegue o momento em que império e colônias se misturem de tal forma que já não se saiba exatamente onde um termina e as outras começam. É aí que, talvez, a colônia suplante o império.
Barak Obama é filho de um negro do Quênia com uma branca americana. Foi criado por um havaiano. Tem sobrenome muçulmano. E, apesar disso, é tão legitimamente norte-americano quanto era seu adversário, John McCain, filho de uma linhagem de branquíssimos heróis de guerra.
Os Estados Unidos de hoje são uma nação multirracial e multicultural. Não são raras as cidades onde se fala mais espanhol que inglês. Não que se deva esperar grandes rupturas por parte de Obama. Elas provavelmente não ocorrerão. Por outro lado, também parece impossível que Obama ignore as suas origens e, baseado nelas, entenda com mais clareza o quanto mudou o país que governará. E por que há outras partes do mundo que resistem e odeiam tanto o poderio do império do qual ele agora se tornará imperador. Ao ver Obama, não consigo parar de pensar naquele busto de Teodósio I na pequenina cidade de Coca.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Cautela e caldo de galinha ...

É inegável que o cenário projetado a partir da eleição municipal deixa hoje José Serra na condição de favorito para 2010. Mas daí a já colocá-lo sentado atrás da mesa do principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto vai uma distância imensa

Já há apressados no mundo da análise política colocando o governador de São Paulo, José Serra, sentado em 2010 na cadeira que fica atrás da mesa do gabinete principal do Palácio do Planalto. A esses apressados, este blog recomenda um pouco de calma. Lembra que, no final do ano passado, na convenção nacional do PSDB que elegeu o senador Sérgio Guerra o presidente do partido, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, dera um banho em Serra. Na ocasião, entrou com claque no meio do discurso de Serra, interrompendo-o. Depois, a mesma claque interrompeu o discurso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Depois que Aécio rasgou a fantasia e explicitou seus planos naquela convenção, por muitas vezes imaginou-se que era ele quem começava a ficar por cima da carne seca.

Se não bastar, este blog lembra também que, no início da campanha em São Paulo, muita gente apostava que Gilberto Kassab, que tinha então uns 10% de intenção de voto nas pesquisas, não iria até o fim. Mesmo mais perto do final, apostava-se ainda que a disputa entre Kassab e Alckmin seria apertadíssima, o que geraria um tremendo racha no PSDB de São Paulo com conseqüências irreversíveis, sendo que a maior delas seria uma provável vitória de Marta Suplicy. Enquanto isso, em Belo Horizonte, o candidato de Aécio e do prefeito petista Fernando Pimentel, Márcio Lacerda, depois de uma patinada no início, disparava na frente. Fácil seria naquele momento apostar no fim da aliança oposicionista entre o PSDB e o DEM e no início da tese de Aécio do pós-Lula, a partir de um entendimento tucano-petista. Agora, o DEM agarra-se a Kassab como bóia de salvação para sacramentar a continuação da aliança oposicionista com o PSDB, Serra surfa com a vitória da sua tese, e Aécio amarga as conseqüências da sua aposta furada em Márcio Lacerda.

Até quando? Até a próxima mexida das nuvens. Era o ex-governador mineiro Magalhães Pinto que dizia que “política é igual nuvem; você olha, está de um jeito, olha de novo já está de um jeito diferente”. É claro que as eleições municipais deste ano projetam para 2010 um cenário favorável a José Serra. Ele é hoje líder nas pesquisas. Sua tese venceu no principal colégio eleitoral do país. No cenário político brasileiro, apesar de toda a popularidade de Lula, o PT continua com os mesmos problemas no Sul e no Sudeste que puderam levar o picolé de chuchu Geraldo Alckmin ao segundo turno em 2006. Na próxima eleição, o candidato da oposição tem bem maior consistência política que Alckmin. E o governo aposta num nome nunca testado nas urnas, com fama de durona e antipática, a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Como porém, a eleição presidencial não é amanhã ...

Já se detecta um primeiro sinal de mexida de nuvem. Embora ela possa reforçar ainda mais a posição de Serra, é só um exemplo de como o quadro político nunca é estanque. A imensa força com a qual o PMDB saiu dessas urnas municipais coloca o PT completamente à mercê do velho partido dos caciques regionais. E o PT está apavorado com isso. Não apenas porque sabe que os peemedebistas, como sempre fazem, vão cobrar cara a fatura. Mas porque temem que o PMDB, como também gosta de fazer, volte a praticar seu esporte preferido de navegar com um pé em cada canoa. Em São Paulo, o PMDB optou pela candidatura de Kassab. Pode vir a fechar um acordo em 2010 com a chapa oposicionista para reservar uma vaga de senador para Orestes Quércia. Se fizer assim, vai caminhar em São Paulo no sentido oposto do propalado projeto nacional peemedebista de se associar à candidatura presidencial do governo. Primeiro passo para que, como aconteceu na eleição passada e em outras, o PMDB não consiga estar oficialmente em chapa nenhuma. Para poder de alguma forma estar em todas.

Se não tiver oficialmente o apoio peemedebista, o PT vai ter de procurar outros parceiros oficiais. A situação pode ressuscitar atores políticos que não se saíram tão bem nas eleições municipais. Não custa lembrar que o deputado Ciro Gomes é o nome da base governista que sempre aparece melhor nas pesquisas. Seu problema é que, diante do PMDB, seu fraquinho PSB não tem a menor chance de reivindicar nada ... Mas se o PMDB ficar de fora ... Ciro até pode vir a lembrar que é nome já testado e melhor colocado nas pesquisas, diante da aposta incerta em Dilma. Ou o PSB pode vir a compor com um vice de menor visibilidade e maior confiabilidade, como o governador de Pernambuco Eduardo Campos.

Aécio Neves também provavelmente não estará morto. Deve ter outras cartas na manga. Mesmo Alckmin, que pode ir para o PSB e reforçar o partido de Ciro num Estado em que ele não é forte. Em dois anos, ainda vai ventar um bocado para mexer com as nuvens no céu.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O Vespeiro

Conduzida por alguém que se julgou encarregado de uma missão divina de consertar o mundo, a Operação Satiagraha errou, precipitou-se e cometeu abusos. Mas é verdade também que ninguém nunca enfiara o dedo tão perto do centro do vespeiro. Agora, abusos à parte, as vespas voaram e estão dando as suas ferroadas

Primeiro, o que há de absolutamente condenável nessa história. É de uma imensa gravidade que o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, tenha sido alvo de um grampo ilegal, esteja no centro de uma investigação feita sem autorização e sem que se saiba o propósito. Que da mesma forma tenham sido grampeados o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, e a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Igualmente grave que se saiba ao mesmo tempo que a Polícia Federal evitou grampear um secretário nacional da direção do PT, Romênio Pereira, alegando razões técnicas. A explicação de que não se poderia grampear um ramal porque se escutaria as conversas das demais pessoas que usam troncos do mesmo PABX não vale para os telefones do STF e do Palácio do Planalto? O que parece mais provável nessa história toda? Alguém teve receio de grampear o PT (não Romênio, mas o partido), pelas implicações políticas que poderiam vir do gesto. Mas, na mesma instituição (ou em instituições que trabalhavam em conjunto, se o grampo foi feito pela Abin), alguém não viu nada de errado em se bisbilhotar a vida do presidente do STF.

É um sinal claro de que os instrumentos de investigação de que dispõe o país estão fora de controle. Que os agentes e delegados atuam de acordo com as suas convicções e interesses pessoais. Não pode haver nada de institucional ou orientado na decisão de se preservar Romênio – um personagem menor na hierarquia política do país – e se centrar fogo em Gilmar Mendes. Nem mesmo imaginar uma orientação político-partidária é possível se os arapongas acompanham as vidas de Gilberto Carvalho ou do ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Se chegaram até a monitorar um dos irmãos do presidente Lula em determinado momento. E, na verdade, não há nada de orientado ou institucional há um bom tempo. O presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a ser grampeado naquele episódio do embaixador Júlio César Gomes dos Santos, na época chefe do cerimonial da Presidência.

Isso tudo está posto aí acima para que não se diga que este blog compactua com essa anarquia policial (anarquia, porque não se pode falar de Estado policial se isso tudo parece acontecer sem muito controle de quem quer que seja). Porque, na verdade, há outro aspecto nisso tudo que me impressiona particularmente. Terminada a Operação Satiagraha, o país assistiu à prisão de um poderoso banqueiro, um dos mais polêmicos personagens surgidos no mundo da economia e da política brasileiras depois da redemocratização. Na mesma semana, um outro banqueiro que se encontrava fugido na Europa deu entrada numa prisão brasileira. Prendeu-se ainda um ex-prefeito de São Paulo e houve ações de busca e apreensão nos escritórios de um empresário de sucesso que ascendera à condição de homem mais rico do país. Do primeiro banqueiro, Daniel Dantas, sabe-se da imensa rede de relações que ele foi construindo ao longo da vida: políticos de vários partidos, advogados de renome, gente no Poder Judiciário.

A Operação Satiagraha foi recheada de equívocos e precipitações. Aparentemente, foi conduzida por alguém que se julgou encarregado de uma missão divina de consertar o mundo com as suas ações. E que, assim, acabou mesmo deixando de lado maiores preocupações com os meios desde que conseguisse atingir seus fins. Mas a verdade também é que nunca antes havia se enfiado o dedo tão próximo do centro do vespeiro. Dos papéis da operação, emanam suspeitas que atingem poderosos em todos os três Poderes. Os abusos cometidos são inaceitáveis. Mas com a licença de deixá-los à parte apenas por um momento, a verdade é que as vespas, incomodadas, voaram e estão dando as suas ferroadas.

A Operação Satiagraha tem uma segunda fase. Crimes financeiros estão sendo investigados. Se crimes aconteceram – e há indícios de que aconteceram –, os responsáveis precisam vir a ser punidos. Se o episódio do grampo no telefone de Gilmar Mendes servir para que se estabeleçam mecanismos de controle sobre a atividade policial e para evitar que ela se oriente por interesses velados e particulares, será ótimo. Mas se servir para tolher a embaraçar as investigações, numa ação conduzida por uma “certa elite” que, nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, “monopoliza a agenda do Supremo”, a anarquia acabará substituída pelo retrocesso.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

A tucana

Dona Ruth, a intelectual que detestava ser chamada de primeira-dama, podia preservar, na sua pureza de academia, os princípios que nortearam a criação do PSDB e que Fernando Henrique, pressionado pela necessidade de governar com a falta de consistência da geléia político-partidária brasileira, abandonava

Fernando Henrique Cardoso nem tinha tomado posse. Montava o seu gabinete quando sua mulher, Ruth, disparou contra o parceiro político do PSDB naquele governo que se iniciava. O PFL, disse ela, era Antônio Carlos Magalhães, mas era também Gustavo Krause e Reinhold Stephanes. Ali, Ruth Cardoso limitava o terreno até onde aceitava que fossem as concessões às suas convicções e à sua ideologia. Nada de ACM, fiquemos com Krause e Stephanes. Iniciado o governo, um pouco depois, manifestações desse tipo de Ruth provocaram uma outra sintomática reação do então ministro das Comunicações e espécie de Zé Dirceu daquele início de era Fernando Henrique, Sérgio Motta: ela tinha de parar com aquela “masturbação sociológica”. Realpolitik pura, como somente um petista do atual governo seria capaz de invocar.

Esse tardio comentário a respeito da morte de Ruth Cardoso pretende ir nessa linha. A antropóloga, a intelectual casada com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que detestava ser chamada de primeira-dama, podia preservar, na sua pureza de academia, os princípios que nortearam a fundação do PSDB. Princípios que Fernando Henrique, pressionado pela necessidade de governar com a falta de consistência da geléia político-partidária brasileira, abandonava. Dona Ruth não esquecia o que escrevera. É um reducionismo tolo dizer que os governos Fernando Henrique e Lula são a mesma coisa. Ainda que não seja transformadora, a política social de Lula vem produzindo uma sensível melhora na vida da população de baixa renda. O aumento da classe média e da capacidade de compra dos brasileiros são fatos. Pode-se questionar se vão se sustentar se houver um repique maior da inflação, mas são fatos. A postura internacional de Lula é também bem diferente da de Fernando Henrique, e voltada para outros parceiros. Mas, por outro lado, é inegável que tanto Lula como Fernando Henrique optaram pelo mesmo caminho de alianças fisiológicas de ocasião com os partidos e políticos de aluguel que pululam no Congresso. Em troca de cargos e benesses é que construíram as suas maiorias.

E pagaram um preço por isso. Se não precisassem dessa turma, se não tivessem que deixar ministérios e postos de poder à disposição deles, poderiam ter fechado os ralos por onde escoam o dinheiro público, poderiam ter adotado gestões mais eficientes, poderiam, dentro das suas escolhas, ter feito muito mais.

Ao limitar o campo de PFL que ela aceitava, Ruth Cardoso tentava sinalizar como imaginava que as alianças poderiam ter se dado no governo de Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, dentro do que é natural em qualquer democracia, aceitava que alianças fossem feitas. Desde que não descaracterizassem um programa e um perfil de governo. Podiam, assim, aproveitar o lado menos fisiológico, mais republicano e menos conservador do PFL. E tentar governar a partir de um ideário que encontrasse eco na sociedade e que, assim, não pudesse ser combatido. Pode ser que Dona Ruth só pensasse assim porque era uma intelectual, porque não tinha a real necessidade de pegar a mão na massa e tocar o país.

Acreditar nisso, convenhamos, é um bocado triste. Hoje, Lula e parte do PT parecem acreditar no mesmo. Deveriam, porém, ao refletir sobre a morte de Dona Ruth, observar o que aconteceu com o PSDB após deixar o poder. Descaracterizado das suas convicções e objetivos iniciais, o partido dos tucanos vaga por aí tentando fazer oposição. É um caldeirão de ódios com táticas personalistas diferentes e sem praticamente nenhum objetivo comum. Que hoje, talvez, nem saiba muito bem por que um dia separou-se do PMDB. Disputa o poder, e só. Livrou-se de vez da masturbação ideológica. E não ganhou nada com isso.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Correçaozinha

Corrigindo o finalzinho do artigo anterior: Dilma pode acabar tendo o mesmo destino do seu antecessor, e não "sucessor", como está lá.

Temporada de caça

Uma breve enumeração dos adversários internos de Dilma no PT e na base pode ajudar a entender por que, desde que se tornou a aposta eleitoral de Lula, ela não sai da berlinda

Desde que foi escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como aposta preferencial à sua sucessão em 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, não teve um dia sequer de sossego. A denúncia sobre o favorecimento ao grupo Mattlin Patterson na venda da Varig aconteceu na véspera do sepultamento da CPI dos Cartões Corporativos. Ou seja, mal Dilma acabou de se livrar de um abacaxi, começou a descascar outro, talvez ainda mais duro e azedo que o primeiro. Embora ela mesma viva falando de “fogo inimigo”, a própria Dilma sabe: as denúncias estão saindo do seu lado da bancada, de gente bem próxima dela. E Dilma sabe ainda que cada história dessas que a desgasta provoca urros de satisfação em alguns setores petistas.

A história da Varig esconde interesses comerciais. E eles podem estar na origem da denúncia de Denise Abreu. Não custa lembrar sempre que Denise era acusada de beneficiar a TAM na Anac. E a TAM tinha interesse na Varig. Embora a motivação possa estar aí, é verdade também que Dilma coleciona adversários de peso no PT e na base governista. E que eles adoram vê-la desgastada. A intenção aqui é enumerar essas trombadas de Dilma no PT e na base. E avaliar até que ponto tais trombadas podem estar na origem da artilharia que se abate sobre ela.

O primeiro e principal adversário é o antecessor de Dilma na Casa Civil. José Dirceu nunca engoliu a forma como Dilma chegou à Casa Civil. Ele esperava a possibilidade de uma saída negociada, na qual ainda continuasse tendo algumas pontes que o mantivessem em contato com as principais estruturas de poder do governo. Sua expectativa era manter na secretaria-executiva da Casa Civil Swedenberger Barbosa como principal ponte. Tinha nesse projeto o apoio do chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho. Dilma atropelou os dois e trocou Swedenberger por Erenice Guerra, uma de suas assessoras de confiança antes no Ministério das Minas e Energia. Dirceu não perdoou a forma como se deu esse processo. Mais tarde, Gilberto Carvalho acabou levando Swedenberger para trabalhar com ele.

Dilma levou o primeiro choque quando descobriu que fora José Aparecido Nunes o vazador do dossiê com gastos do presidente Fernando Henrique Cardoso com cartões corporativos. Aparecido, o ex-secretário de controle interno, era o único remanescente do grupo de Dirceu na Casa Civil. A entrevista de Denise Abreu provocou o segundo choque. Antes de ser diretora da Anac, ela era nada menos que a assessora jurídica da Casa Civil na gestão José Dirceu. Pode ser mera coincidência, mas Dilma não deixou de considerá-la. Daí a insinuação que fez na entrevista sobre o PAC, ao dizer que estranhava a atitude de Denise Abreu, pelo fato de ela sempre ter sido bem tratada, justamente por ter pertencido ao quadro da Casa Civil na gestão anterior a ela.

Embora esteja hoje distante de Lula, Dirceu continua tendo pontos de influência importantes junto ao governo e ao PT. E, coincidentemente, hoje eles formam exatamente o grupo que mais resiste à candidatura de Dilma à Presidência da República. No governo, além de Gilberto Carvalho, Dirceu tem influência sobre o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, e sobre o assessor especial Marco Aurélio Garcia. Todos muito próximos de Lula. No processo que levou à eleição do deputado Ricardo Berzoini como presidente do PT, Dirceu fez um acordo tácito com o ministro da Justiça, Tarso Genro. Ajudou a costurar o acerto com a tendência de Tarso, Mensagem ao Partido, que levou o deputado José Eduardo Cardozo a assumir a secretaria-geral do PT, atropelando o deputado Jilmar Tatto. Dirceu continua tendo pelo menos uma reunião com Berzoini e os principais políticos do antigo Campo Majoritário a cada quinze dias para, junto com eles, traçar estratégias para o PT.

O gaúcho Tarso, que em muitos momentos não costuma primar pela discrição, soltou o petardo mais direto contra Dilma. Em entrevista ao jornal Zero Hora há três semanas, Tarso disse publicamente o que muitos petistas têm dito nos bastidores. “Ela não tem militância no partido”, afirmou, questionando, por esse motivo, a viabilidade da sua candidatura. Para o ministro da Justiça, Dilma teria que, primeiro, construir uma base interna para a sua candidatura. E essa sua capacidade de criar um vínculo com o PT é, na opinião de Tarso, “um enigma”. Dilma não escondeu sua irritação com Tarso que, depois da entrevista, saiu de férias. A ministra da Casa Civil pediu formalmente a Lula que, na volta de Tarso, estabeleça um encontro entre os dois para que ela possa colocar a questão em pratos limpos.

Se Dirceu fez com Tarso seu acordo tácito, Tarso, por sua vez, fez o mesmo com o ministro de Assuntos Sociais, Patrus Ananias. Como ambos trabalham com a possibilidade de serem os candidatos petistas na hipótese de um fracasso de Dilma, uniram-se primeiro nos bastidores para desgastar o adversário comum. Paralelamente, trabalha o grupo ligado à candidata à prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy. No caso, tanto o Campo Majoritário de Dirceu e Berzoini como o grupo de Marta tem base em São Paulo, que ficaria enfraquecida na hipótese da candidatura de Dilma, patrocinada diretamente por Lula. A turma de Marta espera que ela conquiste a prefeitura e que, a partir daí, volte a se credenciar na disputa interna pela sucessão de Lula.

Pesa ainda contra Dilma a torcida contra de outros partidos da base. A falta de traquejo político é uma das causas. “Nós todos sabemos que Dilma, pelas suas características e origens, não dará a menor pelota para as demandas políticas se virar presidente”, diz um deputado petista com trânsito no baixo clero. Outra causa importante é sua trombada com os caciques do PMDB pelos cargos principais do setor energético, a começar pela própria oposição que fazia à escolha do senador Edison Lobão para o Ministério das Minas e Energia, indicação do senador José Sarney (PMDB-AP). Finalmente, ao virar a aposta de Lula, Dilma naturalmente tornou-se o alvo prioritário da oposição. A exemplo de seu desafeto, José Dirceu, Dilma Rousseff na Casa Civil concentrou muitos poderes e colecionou muitos inimigos. Diante da mesma mistura, pode acabar tendo o mesmo fim de seu sucessor.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Atenção! Não sou agente de viagens


Durante um tempo, mantive um site com o endereço www.rudolfolago.com.br. De uns tempos para cá, parei de usar esse endereço e me alojei nesse blog. Não sei de que jeito, esse meu antigo endereço virou um site em inglês de viagens, aluguel de carros, etc. Vou tentar descobrir como isso se deu. Só quero deixar claro que rudolfolago.com.br não sou eu. Embora adore viajar, ainda continuo jornalista. Não ingressei no ramo do turismo.