segunda-feira, 9 de junho de 2008

Temporada de caça

Uma breve enumeração dos adversários internos de Dilma no PT e na base pode ajudar a entender por que, desde que se tornou a aposta eleitoral de Lula, ela não sai da berlinda

Desde que foi escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como aposta preferencial à sua sucessão em 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, não teve um dia sequer de sossego. A denúncia sobre o favorecimento ao grupo Mattlin Patterson na venda da Varig aconteceu na véspera do sepultamento da CPI dos Cartões Corporativos. Ou seja, mal Dilma acabou de se livrar de um abacaxi, começou a descascar outro, talvez ainda mais duro e azedo que o primeiro. Embora ela mesma viva falando de “fogo inimigo”, a própria Dilma sabe: as denúncias estão saindo do seu lado da bancada, de gente bem próxima dela. E Dilma sabe ainda que cada história dessas que a desgasta provoca urros de satisfação em alguns setores petistas.

A história da Varig esconde interesses comerciais. E eles podem estar na origem da denúncia de Denise Abreu. Não custa lembrar sempre que Denise era acusada de beneficiar a TAM na Anac. E a TAM tinha interesse na Varig. Embora a motivação possa estar aí, é verdade também que Dilma coleciona adversários de peso no PT e na base governista. E que eles adoram vê-la desgastada. A intenção aqui é enumerar essas trombadas de Dilma no PT e na base. E avaliar até que ponto tais trombadas podem estar na origem da artilharia que se abate sobre ela.

O primeiro e principal adversário é o antecessor de Dilma na Casa Civil. José Dirceu nunca engoliu a forma como Dilma chegou à Casa Civil. Ele esperava a possibilidade de uma saída negociada, na qual ainda continuasse tendo algumas pontes que o mantivessem em contato com as principais estruturas de poder do governo. Sua expectativa era manter na secretaria-executiva da Casa Civil Swedenberger Barbosa como principal ponte. Tinha nesse projeto o apoio do chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho. Dilma atropelou os dois e trocou Swedenberger por Erenice Guerra, uma de suas assessoras de confiança antes no Ministério das Minas e Energia. Dirceu não perdoou a forma como se deu esse processo. Mais tarde, Gilberto Carvalho acabou levando Swedenberger para trabalhar com ele.

Dilma levou o primeiro choque quando descobriu que fora José Aparecido Nunes o vazador do dossiê com gastos do presidente Fernando Henrique Cardoso com cartões corporativos. Aparecido, o ex-secretário de controle interno, era o único remanescente do grupo de Dirceu na Casa Civil. A entrevista de Denise Abreu provocou o segundo choque. Antes de ser diretora da Anac, ela era nada menos que a assessora jurídica da Casa Civil na gestão José Dirceu. Pode ser mera coincidência, mas Dilma não deixou de considerá-la. Daí a insinuação que fez na entrevista sobre o PAC, ao dizer que estranhava a atitude de Denise Abreu, pelo fato de ela sempre ter sido bem tratada, justamente por ter pertencido ao quadro da Casa Civil na gestão anterior a ela.

Embora esteja hoje distante de Lula, Dirceu continua tendo pontos de influência importantes junto ao governo e ao PT. E, coincidentemente, hoje eles formam exatamente o grupo que mais resiste à candidatura de Dilma à Presidência da República. No governo, além de Gilberto Carvalho, Dirceu tem influência sobre o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, e sobre o assessor especial Marco Aurélio Garcia. Todos muito próximos de Lula. No processo que levou à eleição do deputado Ricardo Berzoini como presidente do PT, Dirceu fez um acordo tácito com o ministro da Justiça, Tarso Genro. Ajudou a costurar o acerto com a tendência de Tarso, Mensagem ao Partido, que levou o deputado José Eduardo Cardozo a assumir a secretaria-geral do PT, atropelando o deputado Jilmar Tatto. Dirceu continua tendo pelo menos uma reunião com Berzoini e os principais políticos do antigo Campo Majoritário a cada quinze dias para, junto com eles, traçar estratégias para o PT.

O gaúcho Tarso, que em muitos momentos não costuma primar pela discrição, soltou o petardo mais direto contra Dilma. Em entrevista ao jornal Zero Hora há três semanas, Tarso disse publicamente o que muitos petistas têm dito nos bastidores. “Ela não tem militância no partido”, afirmou, questionando, por esse motivo, a viabilidade da sua candidatura. Para o ministro da Justiça, Dilma teria que, primeiro, construir uma base interna para a sua candidatura. E essa sua capacidade de criar um vínculo com o PT é, na opinião de Tarso, “um enigma”. Dilma não escondeu sua irritação com Tarso que, depois da entrevista, saiu de férias. A ministra da Casa Civil pediu formalmente a Lula que, na volta de Tarso, estabeleça um encontro entre os dois para que ela possa colocar a questão em pratos limpos.

Se Dirceu fez com Tarso seu acordo tácito, Tarso, por sua vez, fez o mesmo com o ministro de Assuntos Sociais, Patrus Ananias. Como ambos trabalham com a possibilidade de serem os candidatos petistas na hipótese de um fracasso de Dilma, uniram-se primeiro nos bastidores para desgastar o adversário comum. Paralelamente, trabalha o grupo ligado à candidata à prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy. No caso, tanto o Campo Majoritário de Dirceu e Berzoini como o grupo de Marta tem base em São Paulo, que ficaria enfraquecida na hipótese da candidatura de Dilma, patrocinada diretamente por Lula. A turma de Marta espera que ela conquiste a prefeitura e que, a partir daí, volte a se credenciar na disputa interna pela sucessão de Lula.

Pesa ainda contra Dilma a torcida contra de outros partidos da base. A falta de traquejo político é uma das causas. “Nós todos sabemos que Dilma, pelas suas características e origens, não dará a menor pelota para as demandas políticas se virar presidente”, diz um deputado petista com trânsito no baixo clero. Outra causa importante é sua trombada com os caciques do PMDB pelos cargos principais do setor energético, a começar pela própria oposição que fazia à escolha do senador Edison Lobão para o Ministério das Minas e Energia, indicação do senador José Sarney (PMDB-AP). Finalmente, ao virar a aposta de Lula, Dilma naturalmente tornou-se o alvo prioritário da oposição. A exemplo de seu desafeto, José Dirceu, Dilma Rousseff na Casa Civil concentrou muitos poderes e colecionou muitos inimigos. Diante da mesma mistura, pode acabar tendo o mesmo fim de seu sucessor.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Atenção! Não sou agente de viagens


Durante um tempo, mantive um site com o endereço www.rudolfolago.com.br. De uns tempos para cá, parei de usar esse endereço e me alojei nesse blog. Não sei de que jeito, esse meu antigo endereço virou um site em inglês de viagens, aluguel de carros, etc. Vou tentar descobrir como isso se deu. Só quero deixar claro que rudolfolago.com.br não sou eu. Embora adore viajar, ainda continuo jornalista. Não ingressei no ramo do turismo.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Lula e Chacrinha

Como fazia o Velho Guerreiro, Lula entrou no jogo da sua sucessão para confundir, não para explicar

A figura grotesca, com suas inacreditáveis fantasias, atirando bacalhau para a platéia, dava um nó na intelectualidade brasileira. Ao mesmo tempo que conquistava o público mais popular, com os artistas do campo brega que apresentava e concursos inusitados como o que elegia a “empregada doméstica mais bonita do Brasil”, Chacrinha encantava os tropicalistas, com o jeito intuitivo como encarnava os personagens modernistas antropofágicos de Oswald e Mário de Andrade, que a turma de Caetano, Gil e companhia resgatava. A quem tentava entender ou buscar algum sentido no que fazia o Velho Guerreiro, Chacrinha repetia com um bordão simplesmente maravilhoso: “Eu vim para confundir, não para explicar”.

No jogo da sua sucessão em 2010, o presidente Lula parece fazer mais ou menos o que fazia o Velho Guerreiro. Lula veio para confundir, não para explicar. O presidente envia sinais trocados, dá declarações desencontradas. Ao mesmo tempo, estabelece para si um clima de eterno comício, estranho para quem, pelo menos em princípio, não será candidato a nada daqui a dois anos. O resultado final disso tudo é que Lula consegue, assim, tolher iniciativas, intimidar arroubos de independência e manter-se no centro de tudo. Embora esteja longe de dizer qual é a direção, é Lula quem conduz. Embora ainda não tenha começado a dar as ordens, é Lula quem comanda.

O caso da aliança entre o PT do prefeito Fernando Pimentel e o PSDB do governador Aécio Neves é emblemático desse jogo de sinais trocados do presidente. Fernando Pimentel participou a Lula o início das negociações. E parecem ter havido conversas também nesse sentido entre o presidente e o próprio Aécio Neves. De acordo mesmo com algumas pessoas próximas do presidente que pensam diferente no PT, Lula estimulou as conversações. Aí, na reunião da Executiva do partido, o assessor do presidente, Marco Aurélio Garcia, veta a aliança em Belo Horizonte, e indica que essa era também a posição de Lula sobre o assunto. No dia seguinte, Lula liga para Aécio e diz que a direção petista havia cometido uma besteira. Afinal, o que Lula quer? As pessoas próximas do presidente não parecem ter uma segunda explicação. Lula quer evitar que a evolução da aliança em Minas para um cenário nacional aconteça fora do seu controle, num processo comandado por Aécio, com Fernando Pimentel ao lado, à margem da participação do próprio presidente. O que Lula quer é que, aconteça o que acontecer, o acerto tenha o seu aval. E que Aécio não se fortaleça sozinho, como o artífice único da manobra política.

No caso de São Paulo, os aliados de Marta Suplicy reclamam de falta de empenho do presidente em apoiar a sua candidatura. Marta queria de Lula uma garantia de que voltaria ao ministério se perdesse as eleições, coisa que não conseguiu. Também acham que Lula poderia ter se movimentado para tentar abortar o apoio do PMDB, regido por Orestes Quércia, ao prefeito Gilberto Kassab, do DEM. Ao mesmo tempo, o presidente dos peemedebistas, Michel Temer, prepara levantamentos de alianças municipais para provar a Lula que, independentemente do que aconteceu em São Paulo, o partido continua fiel à base governista. No caso, novamente o que Lula parece querer evitar é que Marta cresça como opção eleitoral para a Presidência à sua revelia, ganhando a eleição em São Paulo, fortalecendo-se internamente e impondo-se como nome num processo em que não se veja obrigada a beijar a mão de Lula. O presidente quer a sua vitória, não a descarta como opção para 2010, mas não a quer forte o suficiente para construir tudo isso sozinha, apenas com seu grupo.

No entendimento de pessoas próximas a Lula, foi esse o raciocínio que o levou a bancar a pré-candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ao lançar Dilma, Lula tolheu as demais iniciativas petistas. Fez com que Marta, Patrus, Tarso Genro e companhia recolhessem as suas pretensões. Do leque de opções petistas para 2010, Dilma é a única que não tem qualquer experiência eleitoral. Sua candidatura não é pretensão dela, mas idéia de Lula. E a ela não resta alternativa senão aceitar ser conduzida nesse processo pela mão do presidente. Se der certo, terá sido Lula quem elegeu seu sucessor. Se ela não conseguir resistir ao bombardeio da crise dos cartões corporativos, será uma tentativa de Lula que não deu certo. Será descartada, e Lula partirá para outra alternativa.

O risco dessa história toda é que, ao final, Lula não tenha senão uma série de opções fracas, desorientadas e sem peso eleitoral. Bem, aí há o ás na manga do amigo de Lula, deputado Devanir Ribeiro. Se a história do terceiro mandato é mantida (e é mantida por ele, Devanir, não é pela oposição ou setores da imprensa), é porque faz parte dos sinais trocados emitidos por Lula. Das alternativas várias que ele mantém no cenário enquanto não toma a decisão sobre qual caminho seguir. Até que resolva esclarecer, o presidente faz como Chacrinha: confunde, não explica.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

São Paulo, meu amor

O festival de espertezas e rasteiras protagonizado pelo PSDB pode acabar com uma saraivada de tiros no pé. Donos das melhores opções eleitorais para 2010, os tucanos correm o risco de perder a eleição para eles mesmos

“São vinte milhões de habitantes

De todo canto em ação

Que se agridem cortesmente

Morrendo a todo vapor

E, amando com todo o ódio,

Se odeiam com todo o amor”

Pedida aqui a licença para atualizar o número de habitantes (quando foi composta, São Paulo tinha oito milhões de pessoas), é assim que começa a canção “São Paulo, meu amor”, com a qual Tom Zé venceu o último Festival da Canção da TV Record, em 1969. A imagem idealizada pelo compositor baiano para descrever aquela que já naquela época era a principal metrópole do país me veio à lembrança depois da atropelada que o governador José Serra deu em Geraldo Alckmin (e, por via de conseqüência, em Aécio Neves) esta semana. A idéia de gente que se agride de maneira cortês, ama com todo o ódio e odeia com todo o amor é perfeita para descrever o que acontece no PSDB paulista e na disputa entre os tucanos pela sucessão do presidente Lula em 2010. É um festival de espertezas e rasteiras tão intenso que pode acabar com uma saraivada de tiros no pé. Donos das melhores opções eleitorais na disputa, de acordo com as pesquisas, os tucanos podem acabar perdendo no final. E perdendo para eles mesmos, já que o bloco governista, especialmente o PT, ainda não foi capaz de apresentar um adversário à altura, levando-se em conta as atuais intenções de voto do eleitorado.

Vai se repetir aí um quadro que o partido já assistiu antes, em 2002 e em 2006. Em 2002, na disputa interna pela vaga de candidato à Presidência, Serra atropelou o senador Tasso Jereissati de forma tão violenta que, ao final, Tasso desembarcou na campanha de Ciro Gomes, que era candidato pelo PPS. Ainda que seja verdade que Tasso tinha grandes afinidades anteriores com Ciro, se não tivesse havido a atropelada ele não teria tido argumentos para abandonar Serra tão ostensivamente. Ao mesmo tempo, para garantir hegemonia na base ligada ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, Serra contribuiu para a derrocada da candidatura de Roseana Sarney, pelo PFL. Até hoje, nem Roseana nem seu pai, o senador José Sarney, têm dúvidas de que Serra esteve por trás da operação da Polícia Federal que invadiu a empresa Lunus e flagrou dinheiro de caixa 2 para a campanha de Roseana, obrigando-a a renunciar quando era uma das líderes nas pesquisas. Então, presidente do PFL, Jorge Bornhausen também desconfiava de que vinha tendo seus telefones grampeados. Resultado: Roseana e Sarney apoiaram Lula, e Bornhausen manteve-se neutro. Serra perdeu a eleição para Lula.

Em 2006, já quem deu a atropelada foi Geraldo Alckmin. E, desta vez, a vítima foi Serra. De maneira surpreendente e precipitada, Alckmin aproveitou uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, para anunciar sua candidatura. Pegou Serra no contra-pé e conseguiu desestruturar qualquer reação. Serra julgava que, por ter sido o adversário de Lula em 2002 e aparecer melhor nas pesquisas, tinha a primazia. Alckmin vendeu a idéia de que tinha melhor capacidade de composição com o PFL e, trabalhando melhor as costuras internas nos demais Estados, passou como um trator por Serra. Resultado: a turma de Serra não se esforçou como deveria em favor de Alckmin. Alckmin perdeu a eleição para Lula.

Agora, na disputa pela prefeitura de São Paulo, Alckmin, estimulado por Aécio Neves, buscou repetir a mesma estratégia que fizera para emplacar sua candidatura à Presidência. Precipitou o anúncio da sua candidatura para torná-la fato consumado, e tentar emparedar Serra. Contando agora com números favoráveis nas pesquisas, Alckmin achava que forçaria Serra a desistir do plano com o qual se comprometera quando deixou a prefeitura de São Paulo para disputar o governo. Ali, Serra entregou a prefeitura a Gilberto Kassab, alavancando o ex-PFL, hoje DEM, a uma condição política que nunca antes tinha alcançado em São Paulo. No plano, Serra apoiaria a reeleição de Kassab, contando com o apoio do DEM para a sua candidatura a presidente em 2010. Ao se lançar candidato a prefeito, Alckmin dinamitava essas pretensões. E fazia o jogo de Aécio que, ao pregar a possibilidade de construção de uma aliança de centro-esquerda, podendo envolver até o PT, quer afastar os tucanos dos democratas. Em silêncio, Serra demoliu esta semana o jogo de Alckmin e complicou a vida de Aécio.

Ao fechar em torno de Kassab uma aliança que inclui também o PMDB de Orestes Quércia, Serra praticamente inviabiliza a candidatura de Alckmin. Sozinho, com apenas parte do PSDB, fica impossível para ele prosseguir. E Kassab ganha uma estrutura poderosa para sustentar sua candidatura. Com um porém: quando for forçado a capitular, Alckmin se colocará e colocará a sua tropa com entusiasmo a serviço da candidatura de Kassab? Ou repetirá as divisões internas que levaram o PSDB ao fracasso nas duas últimas disputas presidenciais? Antes da desistência de Alckmin, a briga tucano-democrata já levou a candidata do PT, a ministra do Turismo, Marta Suplicy, a se tornar a líder nas pesquisas eleitorais.

Finalmente, projetando o episódio para o desenrolar da disputa pela sucessão em 2010, ao superar Aécio atropelando também Alckmin, Serra conseguirá a unidade interna necessária para enfrentar o candidato de um governo popular como é o de Lula? A mesma pergunta vale para Aécio, que ainda poderá ter tempo para responder mais adiante às atuais jogadas de Serra e recuperar terreno. Paulista na sua origem, o tucanato segue como na letra de Tom Zé. Até onde o levará a agressão cortês e a mistura de ódio e amor?

sexta-feira, 28 de março de 2008

Pequena correção

Gente,
Eu tinha escrito o comentário anterior no início da semana, e, por falta de tempo, acabei não postando ele antes. Assim, saiu que a reunião do PT foi "ontem". Corrigindo: foi no início da semana, na segunda-feira. Abraços

O xadrez de Aécio

O que impressiona no jogo de Aécio é a sua sofisticação e complexidade. Ele move diversas peças ao mesmo tempo. Tem Plano A, Plano B, plano C ...

É clássica a história de Garrincha com o técnico da Seleção Brasileira, Vicente Feola. Como minha especialidade não é exatamente o futebol, posso errar o momento, o jogo e o adversário. Mas parece que foi antes do jogo contra a União Soviética, na Copa de 58. O fato é que Feola fazia uma longa e complicadíssima preleção sobre como o time deveria fazer para parar o adversário, para avançar sobre sua defesa, para chegar ao gol e vencer a partida. Ao final, Garrinha, com sua costumeira singeleza, soltou a pergunta óbvia: “Tudo muito bonito, seu Feola. Mas o senhor já combinou isso tudo aí com o adversário”?

A famosa frase de Garrincha vem à lembrança após a decisão tomada ontem pela Executiva Nacional do PT. A priori, não há veto algum a que o partido faça uma aliança local com seus adversários no plano nacional, notadamente PSDB e DEM. Mas as associações terão de ter o aval da direção nacional. E onde o PT sentir que a aliança esconde por trás algum movimento que interfira nos planos do partido para a sucessão do presidente Lula em 2010, a união pode ser vetada. É uma decisão que vale para todo mundo, mas que foi tomada tendo em vista um único destino certo: Belo Horizonte e a aliança com o PSDB do governador Aécio Neves para eleger seu secretário Márcio Lacerda, do PSB. Aprovada a aliança, Aécio moverá a sua primeira peça importante no xadrez que montou para tentar chegar a presidente da República em 2010. O problema de Aécio é que o PT também percebeu o seu jogo. E pode reagir a ele. É a história de Garrincha.

Não que tudo o que Aécio idealizou tenha ido por terra com essa simples decisão tomada pela Executiva do PT. O que há de impressionante para quem gosta de política no xadrez montado por Aécio é a sua sofisticação e complexidade. Aécio move ao mesmo tempo uma diversidade de peças. Estabelece pontos de contatos numa série de partidos. Tem plano A, plano B, plano C, plano D ... Do modo como joga, fará com que, qualquer que seja o resultado final de seus movimentos, a eleição de 2010 passe necessariamente por ele.

Há formas diversas de se jogar o jogo da política. Há políticos, como Lula, que preferem o contato direto com o povo. São mestres no corpo-a-corpo. Imbatíveis no efeito que provocam ao falar à população. Seus palcos são os comícios, as assembléias, as inaugurações ao ar livre. Há outros que buscam trabalhar na linha racional do que propõem para as suas administrações, para o amadurecimento das idéias e propostas que passaram a vida estudando. José Serra pode ser enquadrado aí. Há os que apostam na ousadia e na surpresa que permita grandes realizações que deixem a sua marca para sempre, como Juscelino Kubitschek e Brasília. E há aqueles que são especialistas no jogo da política pequena, dos acertos entre engravatados, nas salas refrigeradas dos palácios e sedes dos partidos políticos. Na capacidade de composição, de conciliação de interesses, na formação dos conchavos e alianças. Ninguém no Brasil foi melhor nisso que Tancredo Neves. E ninguém hoje é melhor discípulo de Tancredo que seu neto Aécio Neves.

O jogo ideal de Aécio passeia por uma constatação que é hoje consenso no meio político. A polarização PT X PSDB tornou-se um problema político sério pelas suas características. Não se trata de uma polarização ideológica. Os dois partidos não têm grandes diferenças quanto à forma como pensam a tarefa de administrar o país. Como não há praticamente debate algum nesse aspecto, a disputa partiu para um complicado campo moral. Um campo onde nenhum dos dois partidos consegue mais apresentar-se como vestal pura, numa linha do “eu faço, mas fulano fazia mais feio do que eu”. Onde cada uma das duas matronas, já com a pureza completamente perdida, empenha-se em desnudar a outra, a explicitar suas vergonhas. E fica o país assistindo a esse constrangedor show de pornografia política, cada vez mais descrente nos políticos e nas suas instituições. Aécio apresenta-se como alguém capaz de superar essa polarização. Prega que ela só existe na raiz paulista da fundação dos dois partidos. É em São Paulo que PT e PSDB não conseguem coabitar. Esse problema não existe em Minas nem nos outros Estados. Belo Horizonte seria o embrião de uma nova etapa que poderia desaguar em 2010 numa coalização de centro-esquerda, com Aécio à frente. O PSDB se aliaria ao PT, aos seus aliados tradicionais de esquerda (PSB e PCdoB) e ao PMDB. Como há um campo ideológico em comum no qual esses partidos podem transitar, Aécio acredita que poderia dispensar a ajuda dos partidos fisiológicos de ocasião, tipo PTB e PR, e fugir do toma-lá-dá-cá. Como nesse campo não cabe o DEM – ele tem pontos de contato à direita com o PSDB e o PMDB, mas não tem identificação alguma com os partidos de esquerda –, é assim que vai se esfarelando a aliança entre os dois partidos de oposição. O DEM não cabe no jogo de Aécio, e Aécio estimula o afastamento entre o DEM e o PSDB.

Resumido acima, eis aí o Plano A de Aécio. Como demonstrou o PT na reunião da Executiva, ele dar certo não depende apenas de Aécio. Mas como ele implica ações de contato com vários partidos e agentes políticos, é assim que Aécio vai se tornando uma referência fundamental para a eleição de 2010, mesmo que, ao final, ele não consiga tornar-se candidato. Primeiro, obviamente, passará por ele a decisão de quem será candidato pelo PSDB. E, então, passará por ele a posição que será tomada pelo DEM: com Serra, os democratas serão aliados, com ele, não. Se Aécio deixar o PSDB e for para o PMDB, o que parece ser seu Plano B, a peça peemedebista se moverá de um jeito. Se ele não for, vai se mover de outro. Se for concretizada a aliança com o PT em Belo Horizonte para eleger um candidato do PSB, ficará estabelecido um compromisso com os socialistas. Que irá determinar que movimento fará o deputado Ciro Gomes. Vice de Aécio? Segunda opção da base governista como candidato à Presidência? E, finalmente, chega-se ao próprio PT. O partido tem a força do governo Lula a seu favor, mas nenhum candidato forte no páreo. A primeira a ser testada, Dilma Rousseff, patina. A mãe do PAC não conseguiu empolgar sequer a sua base eleitoral no Rio Grande do Sul – perdeu na disputa local que estabeleceu a deputada Maria do Rosário como candidata a prefeito de Porto Alegre. Não sendo Dilma, quem parece ter condições de entrar na disputa? Essa falta de candidatos pode empolgar Lula a encampar o discurso de Aécio do início de uma nova etapa política que supere a polarização PT X PSDB? Isso vai depender do cálculo que Lula fará quanto ao melhor cenário para levá-lo de volta ao poder em 2014. Mas aí já é assunto para um outro comentário.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Por que Renan não sai


O senador alagoano está convencido de que só não caiu porque não largou a presidência do Senado. Assim, como ele ainda enfrentará mais dois ou três processos no Conselho de Ética, não há agora santo que o faça mudar de tática

Na quinta-feira, depois da votação que o absolveu no processo de cassação movido pelo PSol, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), teve uma longa reunião com a líder do governo no Congresso, Roseana Sarney (PMDB-MA), e com o pai dela, o senador José Sarney (PMDB-AP). Os dois insistiam para que Renan, obtida a vitória, tirasse agora uma licença até que as coisas se acalmassem. Os dois avaliavam que Renan enfrentara a munição pesada dos meios de comunicação, a indignação de boa parte da opinião pública, inconformada com o resultado, e dividira agora o Senado de tal forma que a ele seria quase impossível conduzir a partir dali uma nova fase de entendimento. Caso saísse por uns dias, entendiam, Renan esperaria a poeira baixar, a sua ausência permitiria a retomada de um clima de pacificação, e as coisas no Senado poderiam voltar a caminhar normalmente. Renan ouviu as ponderações e respondeu de forma curta e grossa: “Não há a menor hipótese de eu sair agora”. Ele estava plenamente convencido de uma coisa: cometera vários erros no processo desde o surgimento de denúncia de que tinha as despesas da filha com a jornalista Mônica Veloso pagas por uma empreiteira, mas não tinha dúvida alguma de que uma das suas atitudes fora um imenso acerto – se não tivesse permanecido na presidência do Senado, entendia, talvez àquela hora ele não fosse mais senador. Renan ainda enfrentará mais dois ou três processos no Conselho de Ética. Se, na sua avaliação, fora um acerto enfrentar o primeiro sem se licenciar da presidência, não havia, portanto, na sua ótica, razão para mudar de tática agora.

Não cabe aqui discutir se Renan está certo ou não. Se a sua postura é eticamente correta ou não. Vamos deixar as avaliações mais editorializadas para outros veículos, e mergulhar no raciocínio e na tática do próprio Renan. Até porque, ao final, será isso que irá prevalecer de fato. Renan deixar a presidência do Senado é algo que não depende de torcida, mas apenas da vontade do próprio Renan. E ele não está com vontade alguma de fazer isso. Ele pode até ser convencido do contrário, mas a sua intenção, hoje, é não tirar licença alguma. Nem mesmo uma viagem de duas semanas, ou mesmo uma, é coisa que ele pretenda fazer.

E por que ele não sai? Há vários fatores pesados na sua tática. A primeira razão é que a presidência dá a Renan instrumentos políticos que ele não teria se tornando apenas mais um senador. Somente isso talvez já fosse razão para se discutir falta de decoro, mas é assim que Renan entende. Ele se espelha na situação do hoje deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), um de seus principais conselheiros neste momento. Quando surgiram as denúncias contra Jader (as histórias da Sudam, ranário, etc), ele afastou-se da presidência do Senado certo de que o seu gesto aliviaria a pressão sobre ele. Ao contrário, Jader enfraqueceu-se fora da presidência, e acabou renunciando para não ser cassado. Renan acha que o mesmo poderia acontecer agora se ele se ausentasse. O processo correria sem o seu controle, à sua revelia.

O segundo motivo de Renan para não sair é a simbologia que ele julga que passaria. Ele acha que a licença passaria uma interpretação de culpa reconhecida. A imagem que ficaria seria a de que o Senado absolvera Renan por uma conveniência política e que, agora, em retribuição, ele sairia para evitar problemas. Ainda que isso possa parecer brigar contra todas as evidências, a tática de Renan é declarar-se sempre inocente. Se ele diz que nada deve, tem de passar sempre a idéia de que nada teme. Essa é a segunda razão pela qual não sai.

A terceira vertente da sua argumentação é a idéia de que não há vácuo na política. Espaço vazio é ocupado sempre por alguém. Renan avalia que a dinâmica dos fatos não vai parar com a sua ausência. Pelo contrário, provavelmente pode mesmo se acelerar. A verdade é que não existe a menor garantia, para Renan, de que o processo pararia no ponto em que está caso ele se licenciasse, como pregam alguns. Ninguém tem o controle de todos os pontos dessa história para garantir algum acordo nesse sentido.

Assim, caso haja mesmo esta semana a conversa de Renan com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a intenção do senador alagoano é nem deixar que a prosa siga no rumo de uma sugestão para que se licencie. Mesmo que isso traga problemas para o governo, mesmo que isso mantenha um clima de incêndio no Senado, ele não pretende sair. Renan está buscando sobreviver. Neste momento, a ele a única coisa que importa mesmo é isso.