sexta-feira, 28 de março de 2008

Pequena correção

Gente,
Eu tinha escrito o comentário anterior no início da semana, e, por falta de tempo, acabei não postando ele antes. Assim, saiu que a reunião do PT foi "ontem". Corrigindo: foi no início da semana, na segunda-feira. Abraços

O xadrez de Aécio

O que impressiona no jogo de Aécio é a sua sofisticação e complexidade. Ele move diversas peças ao mesmo tempo. Tem Plano A, Plano B, plano C ...

É clássica a história de Garrincha com o técnico da Seleção Brasileira, Vicente Feola. Como minha especialidade não é exatamente o futebol, posso errar o momento, o jogo e o adversário. Mas parece que foi antes do jogo contra a União Soviética, na Copa de 58. O fato é que Feola fazia uma longa e complicadíssima preleção sobre como o time deveria fazer para parar o adversário, para avançar sobre sua defesa, para chegar ao gol e vencer a partida. Ao final, Garrinha, com sua costumeira singeleza, soltou a pergunta óbvia: “Tudo muito bonito, seu Feola. Mas o senhor já combinou isso tudo aí com o adversário”?

A famosa frase de Garrincha vem à lembrança após a decisão tomada ontem pela Executiva Nacional do PT. A priori, não há veto algum a que o partido faça uma aliança local com seus adversários no plano nacional, notadamente PSDB e DEM. Mas as associações terão de ter o aval da direção nacional. E onde o PT sentir que a aliança esconde por trás algum movimento que interfira nos planos do partido para a sucessão do presidente Lula em 2010, a união pode ser vetada. É uma decisão que vale para todo mundo, mas que foi tomada tendo em vista um único destino certo: Belo Horizonte e a aliança com o PSDB do governador Aécio Neves para eleger seu secretário Márcio Lacerda, do PSB. Aprovada a aliança, Aécio moverá a sua primeira peça importante no xadrez que montou para tentar chegar a presidente da República em 2010. O problema de Aécio é que o PT também percebeu o seu jogo. E pode reagir a ele. É a história de Garrincha.

Não que tudo o que Aécio idealizou tenha ido por terra com essa simples decisão tomada pela Executiva do PT. O que há de impressionante para quem gosta de política no xadrez montado por Aécio é a sua sofisticação e complexidade. Aécio move ao mesmo tempo uma diversidade de peças. Estabelece pontos de contatos numa série de partidos. Tem plano A, plano B, plano C, plano D ... Do modo como joga, fará com que, qualquer que seja o resultado final de seus movimentos, a eleição de 2010 passe necessariamente por ele.

Há formas diversas de se jogar o jogo da política. Há políticos, como Lula, que preferem o contato direto com o povo. São mestres no corpo-a-corpo. Imbatíveis no efeito que provocam ao falar à população. Seus palcos são os comícios, as assembléias, as inaugurações ao ar livre. Há outros que buscam trabalhar na linha racional do que propõem para as suas administrações, para o amadurecimento das idéias e propostas que passaram a vida estudando. José Serra pode ser enquadrado aí. Há os que apostam na ousadia e na surpresa que permita grandes realizações que deixem a sua marca para sempre, como Juscelino Kubitschek e Brasília. E há aqueles que são especialistas no jogo da política pequena, dos acertos entre engravatados, nas salas refrigeradas dos palácios e sedes dos partidos políticos. Na capacidade de composição, de conciliação de interesses, na formação dos conchavos e alianças. Ninguém no Brasil foi melhor nisso que Tancredo Neves. E ninguém hoje é melhor discípulo de Tancredo que seu neto Aécio Neves.

O jogo ideal de Aécio passeia por uma constatação que é hoje consenso no meio político. A polarização PT X PSDB tornou-se um problema político sério pelas suas características. Não se trata de uma polarização ideológica. Os dois partidos não têm grandes diferenças quanto à forma como pensam a tarefa de administrar o país. Como não há praticamente debate algum nesse aspecto, a disputa partiu para um complicado campo moral. Um campo onde nenhum dos dois partidos consegue mais apresentar-se como vestal pura, numa linha do “eu faço, mas fulano fazia mais feio do que eu”. Onde cada uma das duas matronas, já com a pureza completamente perdida, empenha-se em desnudar a outra, a explicitar suas vergonhas. E fica o país assistindo a esse constrangedor show de pornografia política, cada vez mais descrente nos políticos e nas suas instituições. Aécio apresenta-se como alguém capaz de superar essa polarização. Prega que ela só existe na raiz paulista da fundação dos dois partidos. É em São Paulo que PT e PSDB não conseguem coabitar. Esse problema não existe em Minas nem nos outros Estados. Belo Horizonte seria o embrião de uma nova etapa que poderia desaguar em 2010 numa coalização de centro-esquerda, com Aécio à frente. O PSDB se aliaria ao PT, aos seus aliados tradicionais de esquerda (PSB e PCdoB) e ao PMDB. Como há um campo ideológico em comum no qual esses partidos podem transitar, Aécio acredita que poderia dispensar a ajuda dos partidos fisiológicos de ocasião, tipo PTB e PR, e fugir do toma-lá-dá-cá. Como nesse campo não cabe o DEM – ele tem pontos de contato à direita com o PSDB e o PMDB, mas não tem identificação alguma com os partidos de esquerda –, é assim que vai se esfarelando a aliança entre os dois partidos de oposição. O DEM não cabe no jogo de Aécio, e Aécio estimula o afastamento entre o DEM e o PSDB.

Resumido acima, eis aí o Plano A de Aécio. Como demonstrou o PT na reunião da Executiva, ele dar certo não depende apenas de Aécio. Mas como ele implica ações de contato com vários partidos e agentes políticos, é assim que Aécio vai se tornando uma referência fundamental para a eleição de 2010, mesmo que, ao final, ele não consiga tornar-se candidato. Primeiro, obviamente, passará por ele a decisão de quem será candidato pelo PSDB. E, então, passará por ele a posição que será tomada pelo DEM: com Serra, os democratas serão aliados, com ele, não. Se Aécio deixar o PSDB e for para o PMDB, o que parece ser seu Plano B, a peça peemedebista se moverá de um jeito. Se ele não for, vai se mover de outro. Se for concretizada a aliança com o PT em Belo Horizonte para eleger um candidato do PSB, ficará estabelecido um compromisso com os socialistas. Que irá determinar que movimento fará o deputado Ciro Gomes. Vice de Aécio? Segunda opção da base governista como candidato à Presidência? E, finalmente, chega-se ao próprio PT. O partido tem a força do governo Lula a seu favor, mas nenhum candidato forte no páreo. A primeira a ser testada, Dilma Rousseff, patina. A mãe do PAC não conseguiu empolgar sequer a sua base eleitoral no Rio Grande do Sul – perdeu na disputa local que estabeleceu a deputada Maria do Rosário como candidata a prefeito de Porto Alegre. Não sendo Dilma, quem parece ter condições de entrar na disputa? Essa falta de candidatos pode empolgar Lula a encampar o discurso de Aécio do início de uma nova etapa política que supere a polarização PT X PSDB? Isso vai depender do cálculo que Lula fará quanto ao melhor cenário para levá-lo de volta ao poder em 2014. Mas aí já é assunto para um outro comentário.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Por que Renan não sai


O senador alagoano está convencido de que só não caiu porque não largou a presidência do Senado. Assim, como ele ainda enfrentará mais dois ou três processos no Conselho de Ética, não há agora santo que o faça mudar de tática

Na quinta-feira, depois da votação que o absolveu no processo de cassação movido pelo PSol, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), teve uma longa reunião com a líder do governo no Congresso, Roseana Sarney (PMDB-MA), e com o pai dela, o senador José Sarney (PMDB-AP). Os dois insistiam para que Renan, obtida a vitória, tirasse agora uma licença até que as coisas se acalmassem. Os dois avaliavam que Renan enfrentara a munição pesada dos meios de comunicação, a indignação de boa parte da opinião pública, inconformada com o resultado, e dividira agora o Senado de tal forma que a ele seria quase impossível conduzir a partir dali uma nova fase de entendimento. Caso saísse por uns dias, entendiam, Renan esperaria a poeira baixar, a sua ausência permitiria a retomada de um clima de pacificação, e as coisas no Senado poderiam voltar a caminhar normalmente. Renan ouviu as ponderações e respondeu de forma curta e grossa: “Não há a menor hipótese de eu sair agora”. Ele estava plenamente convencido de uma coisa: cometera vários erros no processo desde o surgimento de denúncia de que tinha as despesas da filha com a jornalista Mônica Veloso pagas por uma empreiteira, mas não tinha dúvida alguma de que uma das suas atitudes fora um imenso acerto – se não tivesse permanecido na presidência do Senado, entendia, talvez àquela hora ele não fosse mais senador. Renan ainda enfrentará mais dois ou três processos no Conselho de Ética. Se, na sua avaliação, fora um acerto enfrentar o primeiro sem se licenciar da presidência, não havia, portanto, na sua ótica, razão para mudar de tática agora.

Não cabe aqui discutir se Renan está certo ou não. Se a sua postura é eticamente correta ou não. Vamos deixar as avaliações mais editorializadas para outros veículos, e mergulhar no raciocínio e na tática do próprio Renan. Até porque, ao final, será isso que irá prevalecer de fato. Renan deixar a presidência do Senado é algo que não depende de torcida, mas apenas da vontade do próprio Renan. E ele não está com vontade alguma de fazer isso. Ele pode até ser convencido do contrário, mas a sua intenção, hoje, é não tirar licença alguma. Nem mesmo uma viagem de duas semanas, ou mesmo uma, é coisa que ele pretenda fazer.

E por que ele não sai? Há vários fatores pesados na sua tática. A primeira razão é que a presidência dá a Renan instrumentos políticos que ele não teria se tornando apenas mais um senador. Somente isso talvez já fosse razão para se discutir falta de decoro, mas é assim que Renan entende. Ele se espelha na situação do hoje deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), um de seus principais conselheiros neste momento. Quando surgiram as denúncias contra Jader (as histórias da Sudam, ranário, etc), ele afastou-se da presidência do Senado certo de que o seu gesto aliviaria a pressão sobre ele. Ao contrário, Jader enfraqueceu-se fora da presidência, e acabou renunciando para não ser cassado. Renan acha que o mesmo poderia acontecer agora se ele se ausentasse. O processo correria sem o seu controle, à sua revelia.

O segundo motivo de Renan para não sair é a simbologia que ele julga que passaria. Ele acha que a licença passaria uma interpretação de culpa reconhecida. A imagem que ficaria seria a de que o Senado absolvera Renan por uma conveniência política e que, agora, em retribuição, ele sairia para evitar problemas. Ainda que isso possa parecer brigar contra todas as evidências, a tática de Renan é declarar-se sempre inocente. Se ele diz que nada deve, tem de passar sempre a idéia de que nada teme. Essa é a segunda razão pela qual não sai.

A terceira vertente da sua argumentação é a idéia de que não há vácuo na política. Espaço vazio é ocupado sempre por alguém. Renan avalia que a dinâmica dos fatos não vai parar com a sua ausência. Pelo contrário, provavelmente pode mesmo se acelerar. A verdade é que não existe a menor garantia, para Renan, de que o processo pararia no ponto em que está caso ele se licenciasse, como pregam alguns. Ninguém tem o controle de todos os pontos dessa história para garantir algum acordo nesse sentido.

Assim, caso haja mesmo esta semana a conversa de Renan com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a intenção do senador alagoano é nem deixar que a prosa siga no rumo de uma sugestão para que se licencie. Mesmo que isso traga problemas para o governo, mesmo que isso mantenha um clima de incêndio no Senado, ele não pretende sair. Renan está buscando sobreviver. Neste momento, a ele a única coisa que importa mesmo é isso.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

A eleição e o discurso

Para Lula, a oposição, no ano passado, “perdeu a eleição e o discurso”. Embora o atual governo não seja “uma Brastemp”, o presidente tem razão: a oposição não sabe como se diferenciar dele

A primeira reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ser apresentado aos números da última pesquisa do Datafolha foi dar um sorriso discreto. A pesquisa mostrava que os índices de popularidade de Lula permaneciam incólumes apesar da crise aérea, mesmo depois do trágico acidente com o avião da TAM. Lula enfrentou um bombardeio no qual a oposição buscou demarcar o acidente como responsabilidade do governo, a tragédia anunciada, algo que acabaria acontecendo mais cedo ou mais tarde dada a inapetência federal para lidar com um problema que dura já quase um ano, somada à irresponsabilidade e à corrupção no setor aéreo. Após analisar os números, o presidente começou: “Sabe o que é que está acontecendo?”. E emendou em seguida: “A oposição está que nem eu depois de 1994: perdeu a eleição e o discurso”.

Certamente, Lula supervaloriza as qualidades do seu governo. Coisa em que, aliás, não é nem um pouco diferente dos seus antecessores. Todos eles, mais ou menos, se enclausuram nas suas torres de marfim no terceiro andar do Palácio do Planalto e ficam ali, preservados pelos puxa-sacos de plantão de fazer uma avaliação mais realista sobre suas administrações. Mas Lula tem razão em um ponto: a oposição, de fato, não tem sabido construir um discurso que a leve a tirar proveito dos erros e fragilidades do atual governo. No caso da acidente da TAM, é verdade que ele aconteceu pela soma de um conjunto de fatores, que estão sendo analisados, que incluem possível falha mecânica, possível erro do piloto, ou ambos. Querer atribuir o acidente inteiramente à irresponsabilidade do governo, como quis a oposição, é um erro. Mas é igualmente um erro – de intensidade igual – o esforço do governo de querer se eximir inteiramente de qualquer parcela de culpa pelo que houve. Qualquer pessoa que tenha voado de avião depois do acidente da Gol no final do ano passado sabe o inferno que virou. E tem consciência da incapacidade do governo em solucionar o problema.

O caos aéreo é a mais aguda evidência daquela que é a maior fragilidade da gestão Lula: a sua incapacidade gerencial. É um governo que parece funcionar bem quando aquilo que planejou se executa dentro dos parâmetros que estavam previstos – caso, por exemplo dos programas sociais ou da condução econômica. Mas que se mostra atônito, sem jogo de cintura, lento, quando as coisas saem do roteiro e requerem criatividade, improviso e capacidade de tomada de decisões. Diante de algo que não se pode estudar por meses, formular-se um diagnóstico, discutir-se por mais outros meses, lançar modelos experimentais, ampliar-se e esperar pelos resultados, mas que, ao contrário, exige uma saída de um dia para o outro, o governo patina. Mas aí é que está a chave para se entender por que Lula não cai nas pesquisas: nem tudo o que o atual governo faz é ruim, e naquilo em que ele é ruim o governo anterior talvez não tenha sido melhor. É nesse ponto que a frase de Lula pode fazer algum sentido: nesse sentido, a oposição, de fato, pode não ter perdido somente a eleição, mas também o discurso.

Uma conversa sobre o julgamento do escândalo do mensalão entre os governadores petistas da Bahia, Jaques Wagner, e de Sergipe, Marcelo Déda, pode dar uma medida sobre como deve funcionar a percepção da maioria da população a respeito do atual governo. Wagner foi mais cruel com seu próprio partido: “Serviu para a população ver que o PT não era assim nenhuma Brastemp”. Ao que Marcelo Déda emendou: “É, mas a população também não quer voltar a lavar (roupa) no tanquinho”. A forma como o PT cooptou partidos aliados para o governo com dinheiro a partir dos esquemas do valerioduto é, de fato, escandalosa. E o caminho do julgamento no STF demonstra que a atual composição da Corte Suprema, na sua maioria, concorda com isso. Mas o mensalão é algo muito diferente do processo de compra de votos para aprovar a reeleição no governo Fernando Henrique Cardoso? E o valerioduto não se iniciou no PSDB de Minas Gerais, com Eduardo Azeredo? O governo anterior pode até não ser o “tanquinho” de Marcelo Déda, mas certamente não era também uma Brastemp.

É aí que reside a dificuldade de discurso das oposições, que é, de fato, patente. PSDB e DEM não têm se entendido sobre nada, começam a adotar discursos e estratégias diferentes porque, simplesmente, não conseguem criar nada que consiga colar no eleitor e reverter a onda de popularidade de Lula. Descobrir que o PT não era a “Brastemp” lembrada por Wagner gera uma imensa frustração. O partido vendeu que, no poder, iniciaria uma revolução ética e moral, varrendo a corrupção. Ao contrário, primeiro, nacionalizou o mensalão e, agora, pratica o mesmo toma-lá-dá-cá fisiológico de sempre. Mas o PT substitui quem agia assim antes quando estava no poder e, portanto, não inspira a confiança do eleitor. Prisioneira de uma agenda de crise permanente que ela mesma alimenta, a oposição não consegue tirar proveito dela, porque o eleitor não a enxerga como saída nesse ponto. Não acredita na indignação de quem fazia parecido quando estava no poder. Como não apresenta alternativas em outros pontos, a oposição vai ajudando a manter tudo como está. O único alento que resta a ela é saber que em 2010 Lula não será candidato – não há razão para não acreditar no que ele mesmo disse em entrevista este domingo ao Estado de S. Paulo. Sem Lula no páreo, o jogo se iguala e se torna imprevisível. A não ser que Lula esteja mentindo e mude as regras do jogo. Mas isso já seria golpe. E uma outra história.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Novo endereço do blog

Agora o "Nas entrelinhas da Política", de Rudolfo Lago, está em novo endereço:

rudolfolago.blogspot.com